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Lembranças da Loja da Minha Infância

Tipo de Projeto

Histórias

Data

8/1980

Localização

California, USA

Desde os meus oito anos, eu já sabia o que era responsabilidade. Depois da escola, em vez de ir brincar como muitos dos meus colegas, eu corria para a loja dos meus pais em Santa Comba, onde o trabalho me esperava.
Mas, para mim, aquele lugar era mais do que uma simples loja – era uma segunda casa, um ponto de encontro com a comunidade, e o espaço onde aprendi as lições mais importantes da vida.

Lá, vendíamos de tudo. Tínhamos os básicos – açúcar, arroz, feijão, batatas – tudo pesado cuidadosamente naquelas balanças que precisavam estar sempre calibradas, sob os olhos atentos dos fiscais. Lembro-me claramente das visitas surpresa desses fiscais. Quando chegavam, pediam que fechássemos as portas, e a tensão se instalava no ar. Meu pai e minha mãe ficavam agitados, especialmente quando os preços definidos pelo governo não faziam sentido – às vezes, nem cobriam os nossos custos! Mas, mesmo assim, sempre mantivemos nossa honestidade, porque, acima de tudo, sabíamos que a confiança dos nossos clientes era o que nos sustentava.

Além dos mantimentos, a loja era um verdadeiro bazar. Vendíamos roupas, sapatos, e tecidos por metro, prontos para serem transformados em peças únicas. Minha mãe, uma talentosa costureira, trabalhava incansavelmente em sua máquina de costura “Oliva”, que ficava no final do balcão, rodeada de rolos de tecidos coloridos. Cada cliente que escolhia um tecido saía de lá com a promessa de um vestido ou calça feito sob medida, confeccionado com todo o cuidado, seja pelas mãos habilidosas da minha mãe ou pelo alfaiate que trabalhava na parte de trás da loja.

Era um vai e vem constante de gente. Os fregueses não vinham apenas comprar – vinham conversar, compartilhar histórias, pedir conselhos. Conhecíamos todos pelo nome, e cada rosto tinha uma história que se entrelaçava com a nossa. Eu me sentia parte de algo maior, não apenas vendendo produtos, mas construindo laços com cada pessoa que passava pela porta.

Havia dias em que eu escapulia até o balcão de tecidos, fascinando-me com as estampas coloridas e imaginando como aqueles rolos poderiam se transformar em algo belo. Lembro de uma cliente, Dona Maria, que vinha toda semana para ver os tecidos novos. Ela sempre dizia: “Joãozinho, esse aqui vai virar o vestido mais bonito da aldeia!” E, de fato, minha mãe e o alfaiate faziam mágica com aquelas peças de pano.
Os anos passaram, e a loja continuou a ser o centro da nossa vida, um espaço de aprendizado e de carinho. Mesmo que houvesse dias difíceis, especialmente quando os fiscais batiam à porta ou quando o estoque não acompanhava os preços definidos, cada noite fechávamos as portas com a certeza de que havíamos feito o melhor por nossa comunidade.

Hoje, olhando para trás, lembro com saudade de cada instante. A loja era muito mais do que um lugar de negócios – era o palco das minhas primeiras experiências.

As memórias continuam a fluir como se eu estivesse de volta àqueles corredores estreitos, rodeado de prateleiras cheias de mercadorias. Havia algo de mágico naquele ambiente simples. O som constante da máquina de costura da minha mãe no fundo, o tilintar das moedas caindo no caixa e as conversas animadas com os fregueses que pareciam nunca ter pressa.

Lembro-me de como o tempo passava depressa, mas também de como havia momentos em que o relógio parecia parar. Era especialmente assim nos dias de maior movimento, quando os clientes vinham fazer as compras do mês, e nós, correndo de um lado para o outro, tentávamos atender a todos. Eu, ainda garoto, me sentia tão importante, entregando os sacos de arroz e feijão, conferindo as quantidades de farinha ou açúcar na balança. Cada cliente recebia um atendimento especial, e cada venda tinha seu ritual.

Mas os momentos mais especiais eram quando minha mãe ou o alfaiate entregavam as peças de roupa feitas sob medida. Eu via nos olhos dos clientes a alegria de receber algo que não era apenas comprado – era feito especialmente para eles.

Cada vestido, cada calça, tinha uma história por trás, e eu me sentia orgulhoso de fazer parte desse processo, mesmo que fosse apenas carregando os rolos de tecido ou ajudando a tirar as medidas.

A loja era, sem dúvida, um espaço de trabalho duro, mas também era um lugar de diversão. Durante as pausas, quando não havia tantos clientes, eu gostava de me aventurar entre as prateleiras, observando os produtos com curiosidade infantil. Sempre havia algo novo para descobrir – uma lata de conservas com rótulo diferente, um pacote de biscoitos que me fazia água na boca, ou mesmo os tecidos que, para mim, pareciam esconder histórias de terras distantes.

À medida que fui crescendo, as responsabilidades na loja aumentaram, e com isso, o meu envolvimento também se aprofundou. Aos poucos, deixei de ser apenas o garoto que pesava sacos de arroz e feijão para me tornar uma peça fundamental no dia a dia do negócio da família. Meu pai confiava em mim para cuidar do caixa quando ele precisava sair para fazer alguma entrega ou resolver questões com fornecedores. Lembro-me do orgulho que senti a primeira vez que fiquei sozinho atrás do balcão, atendendo clientes como se já fosse um adulto.

Mas o que mais me encantava era o trabalho com os tecidos. Sempre fui fascinado pelas cores e texturas que enchiam as prateleiras da loja. Os tecidos vinham em grandes rolos, e minha mãe sempre dizia que cada um deles tinha potencial para se transformar em algo único. Ela tinha uma habilidade extraordinária para transformar qualquer pedaço de pano em uma peça de roupa que parecia saída das páginas de uma revista. O alfaiate, que trabalhava nos fundos, complementava esse talento com suas calças e ternos sob medida. Juntos, minha mãe e ele formavam uma dupla imbatível.

Os clientes vinham à loja, escolhiam o tecido, descreviam o que queriam e, em poucos dias, saíam de lá com um vestido novo para uma festa ou uma camisa feita sob medida para um evento especial. Eu sempre achava incrível como algo tão simples como um pedaço de pano podia se transformar em algo tão especial nas mãos de minha mãe. Às vezes, eu me sentava ao lado da máquina de costura e observava, hipnotizado pelo som constante da agulha perfurando o tecido, enquanto conversávamos sobre o dia a dia da loja e os fregueses que entravam e saíam.

As histórias dos clientes eram tão variadas quanto os produtos que vendíamos. Dona Lúcia, uma senhora simpática que sempre comprava panos para fazer vestidos para suas netas, adorava contar sobre a vida delas, enquanto minha mãe tirava suas medidas com paciência. Já o Sr. António, que vinha regularmente comprar tecidos para suas camisas sob medida, falava com orgulho de suas viagens de negócios e de como as roupas feitas na nossa loja eram sempre as mais elogiadas.

Esses pequenos momentos faziam com que a loja fosse mais do que um simples lugar de comércio – era um ponto de encontro, um lugar onde as histórias das pessoas se entrelaçavam com as nossas. E, de alguma forma, aquelas conversas, aqueles produtos e aquelas roupas feitas à mão davam forma às memórias que eu guardo com tanto carinho.

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