Entre Dois Mundos: A Jornada de um Filho de Waku Kungo, a antiga Santa Comba, Cela - Angola

Nasci em 1959, no hospital da Cela em Kissanga Kungo, e fui criado em Waku Kungo, a antiga Santa Comba, no coração do Kwanza Sul, Angola. A minha infância foi colorida pelos tons vibrantes das sanzalas, ritmada pelos sons das conversas e risos que ecoavam pelas ruas de terra batida. Cada jogo de futebol com amigos, cada brincadeira na poeira quente da nossa cidade, tornou-se parte de uma memória que carrego comigo até hoje, um símbolo de um tempo onde a simplicidade se misturava com a pureza da infância.

De Angola para o Mundo Em 6 de agosto de 1975, tudo mudou. Deixei Angola apressadamente, fugindo do turbilhão que encerrava a era colonial e abria as portas para um novo, porém incerto, capítulo do país. Cruzei o Atlântico e desembarquei na Califórnia, Estados Unidos, onde encontrei um mundo completamente diferente. Ali, na terra das oportunidades, construí uma nova vida e, tempos depois, formei-me em Engenharia Eletrônica pela Universidade de Santa Clara.

Construindo uma Vida no Vale do Silício Na América, formei uma família sólida e iniciei uma carreira de sucesso no Vale do Silício. Casado e com três filhos - dois rapazes e uma menina - mantivemos um lar repleto de amor e união. Contudo, uma parte de mim permaneceu sempre em Angola, em suspenso, ancorada naquelas lembranças de Waku Kungo.

O som do mercado, o eco das risadas e o conselho sábio dos mais velhos tornaram-se fantasmas reconfortantes que continuaram a me acompanhar, guiando-me nas decisões e moldando meu modo de ver o mundo.

Reflexões e Nostalgia Hoje, quando me vejo no espelho, com os cabelos prateados, lembro do menino que correu pelas ruas de Waku Kungo, e vejo não só um homem, mas o guardião de uma história e de um legado. Um legado de resiliência, humanidade e lições que transcendem fronteiras e gerações.

Esta é a jornada de um angolano que cruzou oceanos e construiu pontes, com um pé na areia vermelha de sua terra natal e outro na inovação que move o mundo moderno. Embora meu corpo viva em terras distantes, meu coração e espírito permanecem sempre em Waku Kungo, dançando ao ritmo de um passado que jamais se apaga.

A Ponte Cultural Minha vida na América trouxe-me inovações e progresso, cada avanço tecnológico no Vale do Silício carregava em si a simplicidade e as complexidades da minha Angola natal. Enquanto lá, as soluções criativas surgiam da habilidade de se fazer muito com pouco, aqui aprendi a otimizar recursos de outra maneira. Cada projeto completado foi uma lembrança de que a engenhosidade angolana sempre viveu em mim, e que a verdadeira inovação transcende tecnologias e códigos.

Legado e Transmissão Cultural Ao refletir sobre minha carreira, percebo que o maior legado que deixo para os meus filhos não são os dispositivos que ajudei a criar, mas o elo cultural que construí. Ensinei-lhes as tradições, a língua e as histórias de Angola, garantindo que o calor e a alma de Waku Kungo fizessem parte de suas vidas, mesmo nascidos em solo americano.

Um Retorno ao Passado e um Olhar para o Futuro Com o tempo, o desejo de revisitar Angola e Waku Kungo só aumentou. Em uma viagem de retorno, pisei nas ruas que me viram crescer, agora renovadas com a energia de novas gerações. Ao revisitar o mercado da infância, onde vi crianças brincando e negociando, senti a nostalgia misturada com a novidade, como se o passado e o presente se entrelaçassem.

Nesse retorno, iniciei um projeto focado na melhoria da infraestrutura educacional e tecnológica de Waku Kungo. Com o apoio de colegas do Vale do Silício, introduzimos programas de educação em STEM nas escolas locais, trazendo novos horizontes para a juventude local. Esse projeto trouxe mais do que conhecimento; trouxe esperança e um vislumbre do que o futuro pode reservar para aquela comunidade.

Coração Dividido Entre Três Mundos Hoje, divido meu tempo entre a América do Norte, Portugal e Angola. Cada visita a Angola me traz novas histórias, desafios, mas também alegrias e recompensas, enquanto fortifico as pontes culturais e afetivas que construí ao longo da vida. Embora o trabalho seja árduo e as diferenças culturais gerem desafios inesperados, a paixão e resiliência do povo angolano me impulsionam a seguir adiante.

Conclusão Essa é a minha história: a jornada de um homem entre duas terras, enriquecida por cada circuito projetado e cada lembrança revivida, sempre com o coração ancorado nas raízes de Waku Kungo. Aqui, as memórias do passado e as esperanças para o futuro coexistem em harmonia, mostrando que, apesar de tudo, o eco de Waku Kungo nunca cessa em mim, e eu, como seu filho, nunca cessarei de escutá-lo.