top of page

A Chegada

11 de set de 2024

7 min de leitura

4

5

0

Foi no início do verão de 1976 que chegamos a Los Angeles, nosso ponto de entrada nos Estados Unidos. O voo de Portugal havia sido longo, mas o alívio de finalmente chegar à América era palpável. Los Angeles era um labirinto extenso e caótico de rodovias e palmeiras — uma visão avassaladora após o tumulto que deixamos para trás em Angola. Mas a nossa jornada ainda não havia terminado. De Los Angeles, pegamos outro voo, desta vez para San Francisco, onde a nossa nova vida começaria.


Um Novo Mundo

San Francisco era como nada que eu já tinha visto. A cidade parecia pulsar com energia, suas colinas e o horizonte envolto em névoa eram um contraste gritante com as planícies ensolaradas de Angola. A Ponte Golden Gate erguia-se como um símbolo de esperança e novos começos, e as ruas estavam vivas com uma mistura de culturas e estilos que ao mesmo tempo me fascinavam e intimidavam.


Conforme nos instalamos em nosso novo lar na Bay Area, não pude deixar de sentir o peso de tudo o que havíamos deixado para trás. Mas também havia um senso de empolgação, uma curiosidade sobre esse novo mundo e as possibilidades que ele guardava. Os sons do rock preenchiam o ar, e vi jovens com cabelos longos e atitudes despreocupadas por toda parte. Era um mundo de liberdade e autoexpressão, e eu estava ansioso para fazer parte dele.


A Transformação

Decidi que, se ia viver na América, precisava abraçar sua cultura. Meu primeiro ato de transformação foi deixar o cabelo crescer. Não se tratava apenas de me encaixar; era sobre adotar uma nova identidade, uma menos sobrecarregada pelo passado. Conforme meu cabelo crescia, comecei a sentir uma mudança dentro de mim — um afrouxamento dos laços que me prendiam ao velho mundo.


Não demorou muito para eu descobrir a cultura local de carros. As ruas de San Francisco e da vizinha San Jose estavam repletas de clássicos muscle cars americanos, cada um símbolo de poder e independência. Fiquei cativado. Depois de economizar algum dinheiro com trabalhos temporários, me vi em um pequeno ferro-velho nos arredores de San Jose, onde me deparei com um empoeirado Chevy Camaro 1967. Estava em péssimo estado, mas eu via o potencial sob a ferrugem e a sujeira. Comprei-o na hora.


Cruzando a First Street

Restaurar o Camaro tornou-se minha paixão. Passei cada momento livre trabalhando no carro, aprendendo as intricacies do seu motor e devolvendo vida à carroceria. Quando finalmente ficou pronto, a pintura outrora opaca agora brilhava em um vermelho metálico profundo, e o motor rugia com novo vigor.


A primeira vez que o dirigi pela First Street em San Jose foi inesquecível. A rua era um refúgio para entusiastas de carros, com hot rods clássicos e muscle cars desfilando de um lado para o outro, motores roncando e rádios tocando rock. Enquanto eu cruzava a rua, meu cabelo longo esvoaçando ao vento, senti uma sensação exultante de liberdade. O Camaro não era apenas um carro; era uma declaração, uma afirmação de que eu estava aqui, na América, e estava pronto para abraçar tudo o que ela tinha a oferecer.


A Troca pelo Cobra

Com o tempo, minha paixão por carros continuou a crescer, e comecei a pensar em dar o próximo passo. O Camaro tinha sido meu primeiro amor automotivo, mas à medida que me adaptava cada vez mais à vida na América, senti que era hora de um novo começo. Depois de muito refletir, decidi trocar o Camaro por um carro que representasse meu novo capítulo na América: um Ford Mustang Cobra II, branco com faixas azuis.


O Cobra era novo, brilhante e poderoso. Quando o peguei na concessionária, senti uma emoção indescritível. Este carro era um símbolo do meu crescimento e da minha assimilação na cultura americana. A partir daquele momento, o Mustang Cobra II se tornou meu novo companheiro nas aventuras pelas estradas da Califórnia.


A Assimilação

Com o Cobra II sob meu comando, comecei a me integrar mais harmoniosamente à cultura americana. Adotei a música da época — bandas como Creedence Clearwater Revival tornaram-se a trilha sonora da minha nova vida. Meu inglês melhorou, e comecei a encontrar meu lugar neste vasto e diverso país. No entanto, mesmo enquanto me assimilava, nunca esquecia de onde eu vinha. Minhas experiências em Angola, a jornada através de Portugal e os desafios de recomeçar na América faziam parte de quem eu era.


Reflexão

Olhando para trás, percebo o quanto aquele primeiro ano na América foi crucial. Desde nossa chegada em Los Angeles até encontrar nosso lar na Bay Area, foi um tempo de mudanças e crescimento imensos. O cabelo longo, o Cobra II e as ruas de San Jose tornaram-se símbolos da minha jornada — não apenas de assimilação, mas de sobrevivência e transformação.


San Francisco e San Jose me deram uma nova identidade, um novo lugar ao qual pertencer. E enquanto eu cruzava aquelas ruas da Califórnia, com o passado atrás de mim e a estrada aberta à frente, soube que finalmente havia encontrado meu lugar no mundo.


Construindo uma Nova Vida

À medida que os dias se transformavam em meses, nossa vida na Bay Area começou a tomar forma. Minha família e eu encontramos um ritmo, adaptando-nos aos modos desta nova terra enquanto nos mantínhamos fiéis aos valores que nos sustentaram durante os tempos difíceis. Assumi vários empregos para ajudar a sustentar a família, desde trabalhar em lojas locais até ajudar em oficinas onde aperfeiçoei minhas habilidades com carros. Essas experiências não apenas me ajudaram a ganhar a vida, mas também me conectaram à comunidade local, onde fiz amigos que compartilhavam meu crescente amor por carros e pela cultura americana.


Nosso apartamento em Santa Clara tornou-se um centro de atividades. A culinária da minha mãe, uma mistura de sabores angolanos com um toque de influência portuguesa, muitas vezes preenchia o ar com aromas que atraíam vizinhos curiosos. Durante as refeições, compartilhávamos histórias de Angola, da vida que deixamos para trás, e de nossas esperanças para o futuro na América. Esses encontros nos ajudavam a manter a conexão com nossas raízes, mesmo enquanto continuávamos a abraçar nosso novo ambiente.


A Influência da Música

A música desempenhou um papel central na minha assimilação à vida americana. Eu sempre gostei de música, mas foi na América que realmente descobri seu poder de unir e inspirar. As bandas de rock dos anos 70, como Creedence Clearwater Revival, pareciam capturar o espírito da época — rebeldes, livres, cheias de energia. Passei horas ouvindo discos no toca-fitas de 8 faixas, aprendendo as letras e deixando a música se tornar parte de mim. Os ritmos e batidas eram diferentes do que eu havia crescido ouvindo, mas falavam à minha alma de uma maneira que parecia ao mesmo tempo nova e familiar.


Dirigindo o Mustang Cobra II com as janelas abaixadas, a música tocando alto, senti uma conexão com a cultura mais ampla da América. Era uma forma de comunicação, de me expressar nesse novo mundo. As letras das músicas se entrelaçavam com meus próprios pensamentos e sentimentos, ajudando-me a processar a enormidade das mudanças que eu estava experimentando.


Um Sentido de Pertencimento

Conforme minha confiança crescia, também crescia meu sentido de pertencimento. Comecei a me ver não apenas como um refugiado ou um forasteiro, mas como alguém que estava ativamente moldando sua própria vida neste novo país. As amizades que fiz, os lugares que explorei e as experiências que tive, tudo contribuiu para minha crescente identidade como americano.


Um dos momentos definidores desse período foi quando me juntei a um clube de carros local. Era um grupo diversificado de entusiastas que compartilhavam a paixão por muscle cars e hot rods. Nos reuníamos nos fins de semana, trabalhando em nossos carros, trocando dicas e organizando passeios. Essas reuniões eram mais do que apenas sobre carros — eram sobre comunidade, sobre encontrar um lugar onde eu pudesse ser eu mesmo, onde meu passado e meu presente pudessem coexistir.


Cruzar a First Street com o clube de carros era sempre um ponto alto. A camaradagem, o amor compartilhado pela estrada aberta e a emoção da viagem me faziam sentir verdadeiramente vivo. Foi nesses momentos que senti que finalmente havia encontrado meu lugar na América, não apenas geograficamente, mas emocional e culturalmente também.


O Caminho à Frente

Quando completamos o primeiro aniversário de nossa chegada à América, senti um profundo senso de realização. Havíamos vindo de tão longe desde aqueles primeiros dias em Los Angeles e San Francisco. Minha família começou a prosperar, e eu encontrei meu próprio caminho neste vasto e novo país. Os desafios de recomeçar ainda estavam presentes, mas não mais pareciam intransponíveis. Em vez disso, pareciam oportunidades para crescer, aprender e continuar construindo a vida que sempre sonhamos.


O Mustang Cobra II, com seu motor roncando e linhas elegantes, tornou-se um símbolo da minha jornada. Era mais do que apenas um carro; era um testemunho de minha resiliência, minha adaptabilidade e minha disposição de abraçar as mudanças. Toda vez que eu me sentava ao volante, era lembrado de quão longe eu havia chegado, desde as ruas devastadas pela guerra de Angola até as vibrantes e ensolaradas estradas da Califórnia.


Uma Nova Jornada

Um ano depois de chegar à América, decidi dar um passo significativo em minha jornada de assimilação e me alistei na Marinha dos Estados Unidos. A disciplina e a estrutura da vida militar ofereceram-me uma nova perspectiva sobre a vida na América, aprofundando ainda mais minha conexão com este país que agora chamava de lar. Durante esse período, minha paixão por música, especialmente por Creedence Clearwater Revival, foi uma constante companheira, proporcionando-me consolo nas longas horas a bordo dos navios e durante as missões.


Enquanto morávamos na Bay Area, nossos queridos primos Carlos e Tony Coelho, que haviam chegado décadas antes, desempenharam um papel crucial na nossa adaptação à cultura americana. Eles nos ajudaram a entender as nuances da vida nos Estados Unidos, nos apresentaram às tradições locais e nos guiaram enquanto navegávamos pelas complexidades de ser imigrante em um novo mundo. Com a ajuda deles, a América deixou de ser apenas um lugar de refúgio para se tornar um verdadeiro lar, onde poderíamos prosperar e construir nosso futuro.


Um Novo Capítulo

A história da nossa chegada à América foi apenas o início de uma longa jornada. Havia muitos capítulos a serem escritos, cada um repleto de desafios, aprendizados e conquistas que moldariam minha vida nesta nova terra. E enquanto eu continuava a cruzar as ruas de San Jose com meu Mustang Cobra II, o vento balançando meu cabelo e a música dos anos 70 preenchendo o ar, sabia que estava pronto para o que viesse pela frente. Esta era minha nova casa, e eu estava determinado a abraçá-la plenamente, um quilômetro de cada vez.


Cada experiência, cada curva na estrada, não era apenas uma prova de minha capacidade de adaptação, mas também de minha resiliência e desejo de construir algo duradouro. O Mustang Cobra II, brilhando sob o sol da Califórnia, não era apenas um carro — era o símbolo de uma nova vida, de um novo começo, e de uma jornada que ainda estava em andamento, com muitas estradas a serem exploradas e histórias a serem vividas.





11 de set de 2024

7 min de leitura

4

5

0

Related Posts

Comentários

Share Your ThoughtsBe the first to write a comment.
bottom of page