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Angola 1961: O Início da Luta pela Liberdade e Identidade

28 de set de 2024

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Introdução

Nascido no Hospital da Cela, na antiga Cela Velha, perto de Santa Comba, hoje conhecida como Wacu Kungo, minha ligação com Angola é visceral. Desde cedo, aprendi a amar essa terra que sempre considerei meu lar, mesmo quando os ventos da mudança sopravam com incerteza. Ao longo dos anos, vi Angola passar por transformações que moldariam não apenas a história do país, mas também a minha identidade. Crescer em meio aos eventos que marcaram a luta pela liberdade e a busca pela identidade angolana é algo que deixou uma marca profunda em minha vida.


O ano de 1961 é um marco importante, representando o início de uma guerra longa e devastadora que moldaria o destino de Angola e as vidas de todos nós que, como eu, chamávamos essa terra de nossa. Neste contexto, o 4 de fevereiro de 1961 e o 15 de março do mesmo ano se destacam como momentos cruciais dessa luta pela independência, cada um com sua carga de dor e resistência.


4 de Fevereiro de 1961: O Grito da Revolta

A madrugada de 4 de fevereiro de 1961 foi um momento decisivo em Luanda. Um grupo de nacionalistas angolanos, movido por um desejo ardente de libertação, coordenou um ataque contra instalações estratégicas portuguesas na cidade. Este ato, que muitos consideram o início da luta armada pela independência, ressoa até hoje na memória coletiva do país, não apenas como um grito de revolta, mas também como um símbolo do despertar de uma nação.


Os nacionalistas, na sua maioria jovens com pouco ou nenhum treinamento militar, estavam armados com catanas, facas e algumas armas de fogo rudimentares. Os líderes tinham acesso às poucas armas de fogo, enquanto a maioria usava catanas, transformando instrumentos agrícolas em armas de combate. Vestidos de forma simples, com calções e t-shirts negras, usavam boinas escuras como disfarce e estavam dispostos a sacrificar suas vidas pela independência.


Os alvos escolhidos para o ataque incluíam a Casa de Reclusão, a Cadeia de São Paulo, a 7ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública, a Companhia Congo Agrícola, os Correios e o Aeroporto de Luanda. O objetivo era libertar prisioneiros políticos antes de sua transferência para o temido Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. A escolha da data não foi acidental, pois Luanda estava cheia de correspondentes internacionais cobrindo o sequestro do paquete Santa Maria por Henrique Galvão, um ato de protesto contra o regime de Salazar.


No entanto, o ataque não saiu como planejado. Apesar da coragem dos participantes, a inexperiência e a falta de coordenação resultaram em fracasso. Sete policiais portugueses foram mortos, mas o custo para os nacionalistas foi muito maior. Muitos foram mortos ou capturados, e a repressão das forças coloniais foi rápida e brutal. Os musseques de Luanda foram alvos de violentas represálias, com um número desconhecido de mortos.


15 de Março de 1961: O Massacre no Norte

Enquanto Luanda ainda estava se recuperando dos eventos de fevereiro, o norte de Angola foi palco de outra tragédia. Em 15 de março de 1961, membros da União dos Povos de Angola (UPA), liderados por Holden Roberto, iniciaram uma série de ataques contra colonos portugueses e africanos que eram vistos como colaboradores do regime colonial. Esses ataques, que começaram na região do Congo, se espalharam rapidamente para áreas como Baixa de Cassange, Dembos, Zaire e Uíge.


A brutalidade dos ataques foi aterrorizante. Homens, mulheres e crianças foram mortos de maneira indiscriminada e violenta. Colonos foram queimados vivos, esquartejados, ou serrados enquanto ainda estavam vivos. O ressentimento acumulado ao longo de décadas de opressão colonial explodiu em uma violência inimaginável.


As forças da UPA, formadas em grande parte por camponeses armados apenas com facões e outras armas rudimentares, conseguiram superar a resistência portuguesa em várias áreas. A resposta colonial foi rápida e implacável. Tropas foram enviadas às regiões afetadas, e vilarejos inteiros foram destruídos como parte de uma política de terra arrasada.


As estimativas sobre o número de mortos variam, com cerca de 800 europeus e 6.000 africanos mortos durante os confrontos iniciais, segundo Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. No entanto, outros historiadores sugerem números diferentes, mas concordam que as baixas entre os africanos foram significativamente maiores.


O Impacto e as Consequências

Os eventos de fevereiro e março de 1961 marcaram o início de uma guerra de libertação que alteraria para sempre o destino de Angola. Para mim, esses eventos representam mais do que marcos históricos; são partes vivas da minha história pessoal. A repressão colonial que se seguiu não foi suficiente para esmagar o desejo de independência. Ao contrário, ela alimentou ainda mais o fogo da resistência que se espalhou pelo país.


A guerra de libertação durou treze anos, resultando em enormes perdas humanas e materiais. A infraestrutura de Angola foi devastada, e a economia ficou profundamente abalada. Mesmo após a independência, em 1975, as cicatrizes da guerra continuariam a influenciar a sociedade angolana.


Conflitos Internos entre os Movimentos de Libertação

A situação em Angola foi agravada pelas divisões internas entre os movimentos de libertação. O MPLA, a FNLA e a UNITA não lutavam apenas contra o colonialismo português, mas também entre si, em busca de supremacia política e militar no período pós-independência.


Esses conflitos resultaram em combates violentos, causando grandes baixas entre os combatentes e a população civil. Com a intervenção das superpotências da Guerra Fria, o conflito foi intensificado e prolongado, deixando um legado de destruição que continuaria após a independência.


Reflexão Pessoal

Revisitar esses eventos não é apenas uma questão de história, mas também de identidade. Crescer em Angola durante esse período de turbulência moldou minha visão de mundo. As histórias de coragem e sacrifício dos que lutaram pela independência são uma parte viva da minha identidade.


Quando penso no ano de 1961, sinto uma mistura de orgulho e tristeza. Orgulho pela resiliência do povo angolano e tristeza pelas vidas perdidas e pelas feridas que a guerra deixou, muitas das quais ainda não cicatrizaram.


Minha trajetória profissional também foi profundamente influenciada por essas experiências. A luta pela independência de Angola me ensinou a importância de perseverar diante da adversidade e a valorizar a liberdade. Essas lições me guiaram em minha carreira, especialmente no campo da engenharia, onde sempre procurei inovar e superar desafios.


Conclusão: O Legado de 1961

O ano de 1961 não foi apenas um marco na história de Angola, mas o início de uma jornada que ainda molda a vida de milhões de angolanos. A luta pela independência foi uma luta pela alma de um povo que, apesar de todas as adversidades, emergiu como símbolo de resistência e esperança.


Recontar essas histórias não é apenas uma forma de refletir sobre o passado, mas também de olhar para o futuro. O espírito angolano de unidade e força deve continuar a guiar futuras gerações na construção de um país mais justo e humano.


Fontes

  • Afonso, Aniceto, e Carlos de Matos Gomes. Guerra Colonial. Lisboa: Editorial Notícias, 1996.

  • Ribeiro de Meneses, Filipe. Salazar - Uma Biografia Política. Lisboa: Dom Quixote, 2009.

  • Garcia, Rita. Luanda como ela era 1960-1975. Lisboa: Texto Editores, 2008.

  • Pélissier, René. História de Angola. Lisboa: Orfeu, 1977.

  • Wheeler, Douglas L. Angola: The War in the Bush. New York: Praeger Publishers, 1970.


Dedicação Final

Este texto é dedicado a todos os angolanos e portugueses que viveram e sofreram durante esse período de turbulência. Que as lições de coragem e esperança continuem a nos guiar, lembrando que a verdadeira luta foi contra a injustiça, e não entre os povos. O espírito de Angola deve inspirar futuras gerações a construir um mundo mais justo e humano.


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