Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

O Colonato da Cela: Uma Visão Histórica e Agrária de Santa Comba
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O Colonato da Cela, situado na peneplanície entre os rios Keve e Nia, é um marco significativo na história de Angola e de Santa Comba Dão. Criado como parte do projeto de colonização agrária durante o regime do Estado Novo, o colonato foi uma tentativa de implementar uma forma organizada de povoamento e desenvolvimento agrícola na região de Cela, então designada como Santa Comba, em Kwanza Sul. Este projeto pretendia replicar o modelo de pequenos núcleos rurais portugueses em África, incentivando famílias de agricultores a estabelecerem-se e cultivarem estas terras.
O Colonato da Cela não só era um exemplo da aplicação de políticas agrárias do Estado Novo, mas também simbolizava um esforço contínuo de criar uma estrutura sustentável que pudesse atender tanto às necessidades dos portugueses que emigravam em busca de novas oportunidades quanto à exploração econômica das terras africanas. Este tipo de colonização visava fomentar uma comunidade autossuficiente, utilizando o conhecimento agrícola português e combinando-o com técnicas modernas para expandir a produtividade da região. Dessa forma, o colonato não só era um símbolo de progresso, mas também uma tentativa de replicar, em solo africano, a identidade rural de Portugal.
A Agricultura no Colonato: Inovação e Tradição
A região da Cela foi transformada numa área agrícola mecanizada, com o uso de tratores e arados mecânicos que limparam e preparam a terra para a produção de diversas culturas. Uma das grandes marcas do colonato foi a introdução de técnicas agrícolas modernas para a época, incluindo sistemas de rega mecânica por aspersão, permitindo o cultivo eficiente de cafeeiros e campos de milho. A agricultura mecanizada, vista como sinal de progresso, coexistia lado a lado com elementos tradicionais, como o uso de carros de bois que ajudavam no transporte de materiais.
Os sistemas de irrigação foram essenciais para garantir a produção estável, independentemente das variações climáticas que afetavam a região. Esses sistemas, que incluíam aspersores e canais de irrigação, eram alimentados por rios e reservatórios, e permitiam um controle maior sobre a qualidade e o crescimento das colheitas. O cultivo de café, uma das principais culturas, era feito com grande atenção aos detalhes, garantindo uma produção consistente e de alta qualidade que contribuía tanto para o consumo interno quanto para a exportação. Da mesma forma, os campos de milho ocupavam grandes extensões, servindo de base para a alimentação da população local e dos animais.
O gado bovino, com ênfase nas vacas leiteiras, também desempenhava um papel importante na economia local. O leite produzido era transportado para a fábrica de laticínios, onde passava por processos de tratamento e pasteurização. O leite era mexido em cubas metálicas, engarrafado e fechado com maquinários que evidenciavam a modernidade da infraestrutura instalada. Para além da produção de leite, a fábrica também produzia queijos em barra e em bola, que eram lavados e curados cuidadosamente, além do famoso requeijão, feito com o auxílio de uma cuba metálica giratória.
A qualidade dos produtos laticínios era vista como um ponto de orgulho para a comunidade, e o requeijão, em particular, tornou-se um símbolo da excelência dos métodos aplicados no colonato. As técnicas modernas de processamento, que incluíam a utilização de maquinário avançado para a época, permitiam que a produção fosse não só eficiente como também capaz de atender a padrões elevados de qualidade. Estes produtos laticínios eram distribuídos para outras partes de Angola, reforçando a importância econômica do Colonato da Cela para a região.
A Vida no Colonato: Cultura e Eventos Comunitários
O Colonato da Cela não se resumia apenas ao trabalho agrícola. Havia uma série de atividades culturais e eventos comunitários que faziam parte do cotidiano dos habitantes. Maquetas ilustravam os campos cultivados e as habitações das fazendas, demonstrando o cuidado com a organização territorial. As atuações de ranchos folclóricos eram um ponto alto das celebrações locais, trazendo um pouco da cultura portuguesa para a África.
A cultura era um elemento unificador no colonato, e as celebrações tinham um papel essencial na construção de laços entre as famílias. As festividades não só proporcionavam momentos de lazer, mas também reforçavam a identidade cultural dos portugueses ali estabelecidos, permitindo-lhes manter uma ligação viva com suas raízes. Os ranchos folclóricos, com suas danças e canções tradicionais, eram um reflexo da tentativa de recriar um ambiente familiar em meio às condições desafiadoras da vida colonial.
A corrida de automóveis, com contorno de obstáculos e assistência da comunidade, era um dos momentos mais empolgantes, envolvendo não só os competidores, mas também os espectadores que se reuniam para assistir. Outro aspecto da vida no colonato era o homem com o carro puxado por vacas e fardos de palha, uma cena que misturava o tradicional ao moderno. Além disso, o exterior da igreja era um local de convívio, com a presença marcante da comunidade durante os eventos religiosos.
Uma conferência de imprensa dos organizadores da corrida teve lugar no Hotel Continental em Luanda, onde foi possível ver tanto o interior quanto o exterior do hotel. A vista aérea da Baía de Luanda e da Marginal ilustrava o crescimento urbano e a modernidade da capital. Locais emblemáticos, como o jardim com a estátua de Diogo Cão e a fachada da Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, faziam parte da paisagem, juntamente com o tráfego urbano que mostrava o dinamismo da cidade.
As atividades culturais e esportivas eram cruciais para quebrar a rotina do trabalho árduo no campo, e eventos como as corridas de automóveis davam um toque de modernidade à vida no colonato. Essas atividades eram uma demonstração do desejo de progresso e de integração de práticas contemporâneas, mesmo em uma região agrária e distante dos grandes centros urbanos. A convivência nas celebrações religiosas também servia para reforçar a união da comunidade e transmitir valores morais e espirituais que eram considerados fundamentais para a estabilidade social.
Infraestrutura e Vida Comunitária no Colonato
Uma das imagens mais marcantes era o pelourinho, erguido em homenagem ao Presidente do Conselho, Doutor António Oliveira Salazar, que simbolizava a visão do regime para a colonização da Cela. Este pelourinho era uma réplica daquele existente em Santa Comba Dão, refletindo a ideia de transplantação cultural e política dos valores do Estado Novo para o território colonial. A construção de uma igreja e de um monumento religioso dedicado a Nossa Senhora completavam a paisagem do colonato, reforçando a dimensão espiritual da comunidade.
A igreja desempenhava um papel central na vida dos habitantes, servindo não apenas como um espaço de culto religioso, mas também como um ponto de encontro onde eram discutidos assuntos importantes da comunidade. Os monumentos religiosos e o pelourinho destacavam-se como símbolos do poder político e espiritual, representando a autoridade do Estado e da Igreja sobre a vida cotidiana. Esta combinação de elementos simbólicos servia para cimentar a presença do Estado Novo em Angola, reforçando a ideia de uma colônia disciplinada e organizada.
Os habitantes, muitos deles originários das zonas rurais de Portugal, dedicavam-se ao trabalho no campo e nas fábricas, mas também procuravam reproduzir na Cela um estilo de vida semelhante ao das suas aldeias natais. A rua principal do colonato estava sempre em movimento, com as pessoas trajando como se estivessem nas suas aldeias de origem, o que criava uma atmosfera familiar e ao mesmo tempo distinta, na paisagem africana. Havia um sentimento de esperança e perseverança, uma vontade de construir algo novo em terras distantes, mesmo que com desafios impostos pelo clima e pela distância.
As habitações no colonato eram construídas para refletir as origens dos seus habitantes, com elementos arquitetônicos que lembravam as aldeias portuguesas. As casas eram simples, mas funcionais, e estavam organizadas de forma a permitir uma interação constante entre os vizinhos, fortalecendo o senso de comunidade. A vida social era marcada por uma mistura de costumes portugueses com influências locais, criando uma identidade única que distinguia o colonato de outras partes de Angola. Esse esforço de recriar um lar em terras distantes era parte essencial da motivação dos colonos e contribuía para a resiliência da comunidade.
O Legado do Colonato da Cela
O Colonato da Cela representa um capítulo importante da história colonial de Angola, onde se buscou a criação de uma “áfrica portuguesa” que refletisse os valores agrários e culturais do Portugal da época. Embora envolto em controvérsias, pois fazia parte de uma política colonial que não considerava plenamente os direitos e as realidades da população nativa, o colonato também reflete as histórias pessoais de milhares de pessoas que vieram em busca de uma vida melhor e contribuíram para o desenvolvimento da região.
O impacto do Colonato da Cela foi sentido em diversas áreas, desde a agricultura até a estruturação social e econômica da região. O modelo de colonização aplicava técnicas inovadoras e buscava estabelecer uma comunidade que fosse ao mesmo tempo produtiva e culturalmente rica. As lembranças das famílias que ali viveram e trabalharam são um testemunho da determinação humana e do desejo de criar uma vida digna, mesmo em condições adversas.
Hoje, o legado do Colonato da Cela é um testemunho da tentativa de criar um modelo de desenvolvimento agrícola em África, utilizando técnicas modernas para a época e tentando estabelecer uma comunidade autossuficiente. No entanto, é também um lembrete das complexidades e contradições do colonialismo, e de como o passado influencia o presente das comunidades que ali vivem. O Colonato da Cela, com suas fábricas de laticínios, plantações de café e campos de milho, permanece na memória coletiva como um símbolo da interseção entre a modernidade e a tradição, entre a imposição e a resistência, em uma Angola que se preparava para grandes mudanças.
A história do Colonato da Cela também destaca a capacidade de adaptação e resiliência dos seus habitantes. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, essas famílias conseguiram construir uma comunidade sólida, baseada no trabalho duro e na cooperação mútua. O legado desse esforço ainda pode ser observado nas paisagens da região e nas memórias daqueles que viveram essa experiência única, marcando para sempre a identidade de uma Angola diversa e rica em histórias.


























