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Uma Infância em Santa Comba: O Tecido Multicultural que Moldou Minha Vida

21 de set de 2024

7 min de leitura

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Crescer em Santa Comba, no coração de Angola, foi uma experiência única de aprendizado e convivência, repleta de descobertas culturais e laços que transcendiam as diferenças raciais. Minha infância, emoldurada pela diversidade e pelo espírito de comunidade que permeava cada canto da cidade, deixou marcas profundas e positivas na minha vida. Embora pequena, Santa Comba era um verdadeiro mosaico de culturas, onde a convivência entre diferentes povos criava um ambiente vibrante, diverso e cheio de oportunidades para o crescimento pessoal.


Santa Comba foi elevada à categoria de cidade em uma cerimônia memorável, da qual participei com orgulho como jovem membro da Mocidade Portuguesa. Este evento marcou a história do lugar e foi símbolo de um tempo em que o progresso e o desenvolvimento andavam lado a lado com o respeito às tradições e à unidade da comunidade. Vestindo o uniforme da Mocidade Portuguesa, lembro-me de estar em pé atrás das autoridades, representando minha geração em uma ocasião que celebrava o futuro promissor da nossa cidade. Era um momento de orgulho, não apenas pela elevação de Santa Comba, mas também pelo que ela representava: uma comunidade onde pessoas de diferentes origens e trajetórias se uniam em torno de objetivos comuns.


Minha família teve um papel importante nesse tecido multicultural. A loja dos meus pais, localizada no coração da cidade, não era apenas um negócio, mas um verdadeiro ponto de encontro para pessoas de todas as etnias. Ali, nossos clientes vinham em busca de bens, mas também encontravam um espaço de convivência e partilha de histórias e experiências. Minha mãe, com suas habilidades como costureira, confecionava lindos vestidos a partir de padrões africanos vibrantes, escolhidos por nossos clientes, que vinham de todas as partes da comunidade. O som da máquina de costura Oliva, que ecoava pela loja, era um símbolo de trabalho árduo e de uma fusão cultural que fazia parte do nosso cotidiano. Cada peça costurada representava não só uma transação comercial, mas também um elo entre culturas, uma ponte de entendimento e de respeito mútuo.


A educação também foi um pilar essencial da minha infância. A Escola Industrial e Comercial Narciso do Espírito Santo, onde passei muitos dos meus anos formativos, era um microcosmo da diversidade que definia Santa Comba. Neste espaço, convivíamos lado a lado com colegas de diferentes origens, aprendendo lições que iam muito além do currículo acadêmico. A escola nos ensinava sobre a importância da convivência pacífica, da colaboração e do respeito mútuo. Esses valores foram fundamentais para forjar amizades que perduram até hoje. As brincadeiras nos intervalos, os trabalhos em grupo, e até as competições saudáveis que realizávamos, reforçavam a ideia de que éramos todos iguais, independentemente da nossa origem.


A religião era outra força unificadora em Santa Comba. A Igreja Nossa Senhora da Assunção, com suas torres imponentes, era o centro espiritual da cidade. Foi ali, sob as torres gêmeas, que aprendemos sobre fé, resiliência e união. Minha família esteve profundamente envolvida na construção desta igreja, com meu pai transportando a maior parte do granito usado na obra. Este trabalho árduo representava não só um esforço físico, mas também um compromisso com a nossa comunidade e com a preservação dos valores que nos uniam. Para mim, a igreja não era apenas um local de culto, mas um símbolo de esperança e de continuidade, um lugar onde nos reuníamos para celebrar os momentos mais importantes das nossas vidas.


Além da educação e da fé, o desporto também desempenhou um papel vital na minha formação. O campo de atletismo, onde corremos tantas vezes em competições escolares, era um dos lugares onde as barreiras culturais e raciais mais se desfaziam. Nos eventos esportivos, éramos todos iguais, movidos pelo desejo de competir e de superar nossos próprios limites. Lembro-me com carinho das corridas, das medalhas e, mais importante, das amizades formadas nessas ocasiões. Esses momentos de competição saudável não só fortaleciam o corpo, mas também o espírito de cooperação e respeito entre os colegas.


Outro local que evoca lembranças poderosas é o Clube Cela. Era ali que, nos fins de semana, a vida social fervilhava. O clube era o centro da vida cultural da cidade, onde as famílias se reuniam para celebrar, dançar e compartilhar momentos de alegria. Cada encontro no Clube Cela era uma celebração da nossa diversidade, uma oportunidade de vivenciar a rica tapeçaria cultural que fazia de Santa Comba um lugar tão especial.

Em Santa Comba, a diversidade não era apenas tolerada, mas celebrada. Crescemos em um ambiente onde o respeito mútuo era a base de todas as interações, e onde o orgulho pela nossa herança cultural estava sempre presente. Minha infância, vivida nas paisagens, sons e cores dessa cidade única, foi um verdadeiro presente. Hoje, ao olhar para as fotos da época, vejo mais do que simples imagens. Vejo janelas para um passado onde a unidade na diversidade era uma realidade vivida, e onde o espírito de comunidade nos guiava em cada passo do caminho.


Santa Comba não foi apenas o lugar onde cresci. Ela foi o berço dos valores e das experiências que moldaram a pessoa que sou hoje.


O Impacto Duradouro da Minha Infância em Santa Comba

A influência de Santa Comba vai muito além das memórias felizes de infância. Ela moldou a minha visão de mundo, o meu entendimento sobre a convivência multicultural e o respeito mútuo. Durante os anos em que vivi naquela cidade, aprendi a importância da colaboração entre diferentes culturas e grupos étnicos. A convivência harmoniosa entre os diversos povos que habitavam Santa Comba era um testemunho vivo de que a diversidade pode ser uma força poderosa para o crescimento e o desenvolvimento de uma comunidade.


Aquela experiência, embora ancorada no contexto específico da Angola colonial, transcende o tempo e o espaço. Muitas das lições que aprendi em Santa Comba continuam a ressoar em minha vida pessoal e profissional. Como membro da equipe técnica sênior em uma grande empresa de tecnologia, frequentemente me vejo aplicando esses princípios de respeito à diversidade e de busca pela união de diferentes perspectivas em prol de objetivos comuns. Cada projeto em que trabalho é uma oportunidade de trazer à tona essas lições, construindo pontes entre diferentes culturas e ideias, tal como fazíamos em Santa Comba.


O trabalho árduo que testemunhei no seio da minha família, especialmente na loja dos meus pais e na oficina de costura da minha mãe, serviu de modelo para a ética de trabalho que adotei ao longo da vida. A loja era um espaço onde o comércio era apenas uma parte do que acontecia. Era, acima de tudo, um lugar onde se construíam relações, onde se forjavam laços entre pessoas de diferentes origens que, de outra forma, talvez não tivessem se cruzado. O trabalho da minha mãe com tecidos africanos era uma celebração das várias culturas que se encontravam em nossa cidade, e essa fusão de identidades me ensinou desde cedo que a beleza está na diversidade.


Os dias passados na Escola Industrial e Comercial Narciso do Espírito Santo também deixaram uma marca indelével. Aquele edifício, com seus corredores cheios de estudantes, foi o cenário de muitas descobertas, tanto intelectuais quanto sociais. Foi ali que aprendi a apreciar o valor da educação como um equalizador, um caminho para o sucesso que estava aberto a todos, independentemente da sua origem. As amizades forjadas nas salas de aula e nos campos de recreio daquela escola transcenderam as barreiras culturais, ensinando-nos que, no final das contas, éramos todos parte de uma mesma comunidade.


Outro pilar que moldou minha visão de mundo foi a fé. A igreja em Santa Comba não era apenas um lugar de adoração, mas um centro de união para a comunidade. Foi sob suas torres gêmeas que celebramos as conquistas e nos consolamos nas perdas. A construção desta igreja, com o envolvimento direto do meu pai, é um símbolo duradouro do comprometimento da nossa família com a comunidade e com os valores que ali se cultivavam. O fato de que muitos dos materiais usados na construção da igreja vieram de lugares distantes, transportados com tanto cuidado e dedicação, reflete a própria ideia de Santa Comba: uma cidade construída por mãos de várias origens, mas unida por um propósito comum.


O papel do esporte, especialmente os eventos de atletismo escolar, também foi crucial na minha formação. Esses momentos de competição saudável eram oportunidades não apenas para testar nossos limites físicos, mas também para fortalecer os laços entre colegas de diferentes origens. O fato de corrermos lado a lado, sem que as nossas diferenças importassem, foi uma lição valiosa de que a verdadeira competição reside em sermos a melhor versão de nós mesmos, e não em superar os outros.


O Clube Cela, por sua vez, foi o epicentro da vida social da cidade. Cada evento ali realizado era uma celebração do que havia de melhor em Santa Comba: sua vibrante diversidade cultural. As festas, os bailes e as reuniões no clube eram ocasiões em que ríamos, dançávamos e compartilhávamos histórias, reforçando os laços que nos uniam. Ainda hoje, quando penso no Clube Cela, sinto uma profunda nostalgia por aqueles dias de simplicidade e alegria, onde todos se encontravam como iguais, unidos pela música, pela dança e pelo espírito de comunidade.


A minha infância em Santa Comba foi, sem dúvida, marcada pela felicidade e pelo sentimento de pertencimento. A cidade, com sua paisagem majestosa e seu povo diverso, ensinou-me que o verdadeiro valor de uma comunidade reside na sua capacidade de acolher a diversidade e de construir uma convivência baseada no respeito e na solidariedade. As imagens do passado que guardo comigo não são apenas fotografias, mas recordações vivas de uma época em que a união era mais forte do que as divisões.


Hoje, ao refletir sobre a minha jornada, percebo que Santa Comba foi mais do que o lugar onde cresci. Ela foi o cenário de um aprendizado profundo sobre o que significa viver em comunidade, e sobre como as nossas diferenças podem ser a base para a construção de algo maior e mais significativo. O tecido multicultural que moldou minha infância continua a influenciar a minha vida e a maneira como vejo o mundo.


Santa Comba não foi apenas uma cidade no mapa de Angola. Foi um verdadeiro exemplo de que a diversidade pode ser uma força transformadora, e de que, quando trabalhamos juntos, não há limites para o que podemos alcançar.

















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