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ANGOLA: DA PROVÍNCIA PROMISSORA À GUERRA FABRICADA

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4 min de leitura

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Uma leitura cronológica, factual e portuguesa dos acontecimentos (1950-1980)


Autor: Secúlo da Cela — João Elmiro da Rocha Chaves


1. Contexto inicial — Portugal e a redefinição do Império (1951)

Em 1951, a Constituição Portuguesa foi revista para abolir a palavra “colónia” e substituí-la por “província ultramarina”. O Governo de António de Oliveira Salazar integrou formalmente Angola na estrutura administrativa do Estado, estendendo direitos e deveres constitucionais, aumentando o investimento público e assumindo o compromisso de desenvolver Angola ao nível das restantes províncias. No quadro internacional, a decisão antecipou a pressão da ONU contra o colonialismo, procurando blindar Portugal de acusações externas.


2. A migração como pilar de desenvolvimento (1950-1974)

Na década de 1950, Portugal incentivou a migração para Angola com concessão de terras, crédito bonificado, emprego público e oportunidades industriais. Chegaram agricultores, engenheiros, médicos, professores, comerciantes e técnicos especializados. A população local foi integrada em programas de alfabetização e formação técnica. Angola destacou-se rapidamente como grande exportador de café, com indústrias de diamantes e minério de ferro em franca expansão e infraestruturas modernas como o Caminho-de-Ferro de Benguela e o Porto do Lobito.


3. O despertar dos movimentos nacionalistas e as suas origens externas (anos 1950-1960)

Apesar do desenvolvimento, emergiram movimentos políticos apoiados do exterior:

  • MPLA (1956, Luanda), de inspiração marxista, com apoio da URSS;

  • UPA/FNLA (1954, Congo), com patrocínio da CIA e do regime de Mobutu;

  • UNITA (1966, Jonas Savimbi), com apoio inicial da China maoísta e, posteriormente, da África do Sul.

Tinham em comum o objetivo de enfraquecer Portugal, mas divergiam ideologicamente, tornando provável o conflito interno após a independência.


4. 15 de Março de 1961 — o massacre e o início da guerra

A 15 de Março de 1961, militantes da UPA, armados e treinados no Congo, atacaram o Norte de Angola. A violência foi indiscriminada: aldeias incendiadas, famílias assassinadas e civis africanos fiéis a Portugal mortos ao lado de europeus. Relatos da Cruz Vermelha referem brutalidade extrema, com mais de 8.000 mortos nas primeiras semanas. Tratou-se de uma operação concebida para instaurar o terror e isolar a população luso-angolana.


5. Escalada e internacionalização do conflito (1961-1974)

A resposta militar portuguesa estabilizou zonas críticas, mas o conflito prolongou-se devido ao fluxo constante de apoio externo às guerrilhas. A URSS e Cuba apoiaram o MPLA com armas, treino e tropas; os EUA e o Zaire sustentaram a FNLA; a China treinou a UNITA até ao início dos anos 1970. Portugal combateu praticamente sozinho nas frentes africanas, uma vez que a NATO considerava estes conflitos fora do seu âmbito.


6. O colapso político em Portugal e a rutura (1974)

A 25 de Abril de 1974, o MFA derrubou o Estado Novo. Influenciado por correntes revolucionárias e pressionado internacionalmente, o novo poder iniciou negociações céleres com os três movimentos angolanos, sem consulta popular. Esta via ignorou a comunidade luso-angolana, pilar económico e social do território.


7. O Acordo do Alvor e a catástrofe (1975)

Assinado em Janeiro de 1975, o Acordo do Alvor previa um governo de transição tripartido. Na prática, colapsou antes de vigorar. Em Março, eclodiram confrontos em Luanda, com cada fação a receber abastecimentos diretos dos respetivos patrocinadores.


8. Independência e guerra civil (1975-2002)

Em 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto declarou a independência unilateral em Luanda, apoiado por cerca de 30.000 soldados cubanos. FNLA e UNITA recuaram para o interior, apoiadas pelo Zaire, pela África do Sul e pelos EUA. Seguiu-se uma guerra civil que perdurou até 2002.


9. O preço pago por Angola e por Portugal

O êxodo de meio milhão de portugueses e luso-angolanos em 1975 foi a maior evacuação em massa da história contemporânea portuguesa. Angola perdeu quadros técnicos, médicos e professores; Portugal recebeu centenas de milhares de retornados, enfrentando desemprego, pressão orçamental e crise habitacional.


10. O papel da Guerra Fria na destruição do “inimigo comum”

Para Moscovo e Washington, Portugal constituía um obstáculo estratégico. Ao apoiar facções rivais, procuraram moldar Angola aos próprios interesses. O resultado foi um país devastado e um Portugal privado do seu espaço estratégico ultramarino.


Apêndice de Factos Documentados e Referências

  • 1951 — Revisão constitucional: substituição do termo “colónia” por “província ultramarina”. Diário do Governo, n.º 199/1951.

  • 1953-1974 — Planos de Fomento do Ultramar: barragens, ferrovias, escolas, hospitais. Boletim Oficial de Angola.

  • 1956-1966 — Formação de MPLA, UPA/FNLA e UNITA com patrocínio externo. Arquivos PIDE/DGS e CIA.

  • 15 de Março de 1961 — Massacre no Norte de Angola. Relatórios do Comité Internacional da Cruz Vermelha.

  • 1961-1974 — Guerra prolongada com apoio externo às guerrilhas. Arquivos Históricos Militares.

  • 25 de Abril de 1974 — Golpe militar e início de negociações aceleradas. Atas do MFA.

  • 15 de Janeiro de 1975 — Acordo do Alvor. Diário da República.

  • 11 de Novembro de 1975 — Proclamação de independência com apoio cubano. Registos ONU.

  • 1975-1985 — Consequências económicas e humanas. Banco Mundial; INE Portugal.


Soneto

De um chão fecundo ergueu-se a nova história,

Onde o café e o algodão eram coroa,

E a indústria nas mãos de quem abençoa

Lavrava o tempo em páginas de glória.


Mas veio o frio sopro da memória,

Que a guerra envenenou com língua à toa,

E fez de Angola presa que ressoa

Na mesa alheia a amarga trajetória.


Do Tejo ao Kwanza, um mesmo sangue ardia,

Mas no xadrez do mundo, a sorte é rara:

Caímos, nós, por quem a pátria erguia.


Hoje a verdade, enfim, já não se mascara:

Foi guerra fria a que nos dividia,

Mas quente a dor que ainda nos separa.


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