top of page

Colonialismo: A Verdade Desconfortável que Ninguém Quer Enfrentar

fev 1

4 min de leitura

5

58

1

Nasci em Angola, uma terra outrora sob domínio português, que foi consumida pelo caos após a descolonização. Fugi ainda criança, deixando para trás um país que havia sido construído com ambição, mas que mais tarde foi dilacerado por ideologias, guerra e traição. Agora, aos 65 anos, vivendo nos Estados Unidos, acho tanto irónico quanto enfurecedor quando americanos—especialmente aqueles de ascendência europeia—criticam Portugal ou Inglaterra pelo seu passado colonial, enquanto estão em terras roubadas aos nativos americanos.


A Hipocrisia da Condenação Seletiva

A história não é um tema confortável, especialmente quando nos obriga a confrontar as nossas próprias contradições. Quando se fala de colonialismo, frequentemente mencionam-se os portugueses em África, os britânicos na Índia ou os espanhóis na América Latina—velhos impérios que se expandiram pelo globo. No entanto, convenientemente ignoram o facto de que os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália são todos produtos da colonização. Estas nações foram construídas em terras indígenas através de conquista, deslocamento e exterminação.


Sejamos claros: a menos que seja nativo americano, está a viver em terra roubada. Se o colonialismo é um crime imperdoável, então a própria existência dos Estados Unidos é um crime ainda em andamento.


Encontrei muitos americanos que denunciam apaixonadamente a história colonial europeia enquanto desfrutam dos privilégios que advêm dos seus antepassados terem deslocado civilizações inteiras. Não hesitam em criticar os portugueses por Angola ou os britânicos pela Índia, mas se lhes perguntar sobre a Trilha das Lágrimas, Wounded Knee ou a assimilação forçada de crianças nativas americanas em internatos, de repente, a conversa torna-se desconfortável.


Uma Perspetiva Pessoal sobre o Significado do Colonialismo

Crescendo em Angola, vi em primeira mão o que era o colonialismo. Os portugueses não se limitaram a explorar; eles construíram. Construíram estradas, caminhos-de-ferro, fábricas e uma economia que transformou Angola numa potência agrícola e industrial. Era uma terra de oportunidades—até que deixou de o ser. Quando os portugueses partiram, tudo desmoronou. A infraestrutura foi negligenciada, as indústrias colapsaram e a corrupção substituiu a ordem. Fui forçado a deixar a única casa que conheci, tornando-me um refugiado da história, não apenas um espectador.


Quando cheguei aos Estados Unidos, adaptei-me. Construí uma vida. E, no entanto, como imigrante europeu na América, deparei-me com uma realidade bizarra: pessoas que vivem em terras tiradas aos nativos americanos tinham a audácia de me dar lições sobre colonialismo.


O Contexto Sul-Americano

A narrativa do colonialismo estende-se profundamente na América do Sul. O continente foi principalmente dividido entre Espanha e Portugal após o Tratado de Tordesilhas em 1494. A Espanha assumiu o controlo de vastas regiões, incluindo a atual Argentina, Chile e Peru, enquanto Portugal reivindicou o Brasil. Outras potências europeias, como os holandeses, franceses e britânicos, também estabeleceram colónias em regiões como a Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Estas empreitadas coloniais levaram à exploração e deslocamento de populações indígenas, à imposição de culturas europeias e a mudanças demográficas significativas devido a doenças e trabalho forçado.


No Brasil, os portugueses estabeleceram uma economia colonial fortemente dependente de plantações de açúcar e, posteriormente, da mineração, ambas dependentes do trabalho de africanos e indígenas escravizados. O legado desta colonização é evidente hoje na diversa paisagem cultural do Brasil e nas persistentes desigualdades sociais.


De forma semelhante, a colonização espanhola na América do Sul levou ao estabelecimento dos Vice-Reinos do Peru e de Nova Granada, que se tornaram centros do poder político e económico espanhol na região. Os espanhóis impuseram a sua língua, religião e estruturas de governação, muitas vezes em detrimento das culturas e sociedades indígenas.


O impacto do colonialismo europeu na América do Sul é um testemunho da complexa interação de exploração, troca cultural e remodelação de sociedades inteiras—uma história que continua a influenciar o presente e o futuro do continente.


Colonialismo de Povoamento: A Realidade Contínua

Ao contrário dos portugueses em Angola ou dos britânicos na Índia, os americanos nunca deixaram as terras que colonizaram. Em vez disso, apagaram culturas indígenas, relegando-as para reservas enquanto as suas próprias cidades e indústrias floresciam. Os descendentes de colonos europeus ainda governam esta terra, ditam as suas políticas e desfrutam dos frutos de uma conquista que nunca realmente terminou.


A verdade é que o colonialismo não é apenas um evento histórico—é um sistema de poder em curso. Enquanto os impérios europeus se retiraram de África, Ásia e Américas, os Estados Unidos permanecem um estado colonial de povoamento. A única diferença é que os americanos modernos preferem distanciar-se desta realidade. Querem acreditar que o colonialismo terminou com os seus antepassados, não reconhecendo que cada autoestrada, cada quinta, cada cidade e cada lei neste país foi construída sobre a soberania indígena.


A Verdadeira Questão: E Agora?

Não digo isto para desculpar o colonialismo europeu. Digo isto para exigir honestidade intelectual. Se vamos condenar o passado, devemos também confrontar o presente. Se o colonialismo é um mal que deve ser reconhecido e expiado, então por que não há um esforço sério para abordar a contínua marginalização dos nativos americanos? Por que as pessoas se indignam com os pecados de Portugal e Inglaterra enquanto ignoram as consequências da sua própria existência na América?


Vivi o colapso de um sistema colonial e observei outro prosperar sob um nome diferente. A história não é uma narrativa clara de vilões e vítimas—é um ciclo de poder, deslocamento e sobrevivência. O mínimo que podemos fazer é parar de fingir que algumas formas de colonialismo são imperdoáveis enquanto outras são simplesmente "como as coisas são".


Se vamos ter uma conversa honesta sobre colonialismo, comecemos com a terra debaixo dos nossos pés.






Related Posts

Comentários (1)

Dada
Feb 02

Aqui está um pensamento claro e despretensioso!! Apoio totalmente! Gostei de ler!

Curtir
bottom of page