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A manhã ainda não tinha rompido completamente, mas na pequena sanzala de Mucula, o som ritmado do pilão e o murmúrio das primeiras conversas já anunciavam o início de mais um dia de trabalho. Sob a sombra generosa das palmeiras de dendém, Pedro e Zeca preparavam-se para uma tarefa que havia sustentado suas famílias por gerações: a extração do óleo de palma.


O cheiro doce e terroso dos frutos de dendém impregnava o ar enquanto os dois homens ajustavam a prensa manual, um equipamento simples, mas essencial para transformar o vermelho brilhante dos frutos em ouro líquido. "Zeca, hoje precisamos fazer render o trabalho. A feira na cidade está próxima, e dona Esperança quer mais óleo do que de costume", disse Pedro, com um tom de determinação.

Zeca sorriu e balançou a cabeça. “Não te preocupes, irmão. Hoje o dendém vai nos abençoar.”


Enquanto Pedro segurava firmemente uma extremidade da longa haste de madeira, Zeca empurrava a outra com força, seus movimentos sincronizados como uma dança aprendida ao longo dos anos. A fibra esmagada escorria para o chão, enquanto o óleo dourado gotejava na grande panela de alumínio posicionada cuidadosamente abaixo do funil. Os dois trabalhavam em silêncio, apenas interrompido pelo barulho da prensa e pelo canto distante de uma mulher na lavra, que entoava uma melodia ancestral sobre trabalho e fartura.


Ao fundo, as crianças da sanzala corriam, descalças e cheias de vida, imitando os movimentos dos adultos com gravetos nas mãos. De vez em quando, uma risada escapava, ecoando pelo ar fresco da manhã. Já as mulheres, algumas com lenços coloridos amarrados na cabeça, preparavam o almoço ou cuidavam dos pequenos.

Pedro fez uma pausa para enxugar o suor da testa. Olhou para Zeca e disse: “Lembras-te de quando éramos miúdos e víamos nossos pais aqui, no mesmo lugar, fazendo o mesmo trabalho? Sempre achei que era fácil, mas agora vejo o quanto eles eram fortes.”


Zeca assentiu, com um brilho de orgulho nos olhos. “É mais do que trabalho, Pedro. É o que nos conecta. Este óleo não é só para vender. Ele tempera nossas comidas, é luz para nossas lamparinas e, acima de tudo, é uma herança.”

Com o sol já alto, os dois terminaram o último lote de frutos. A panela estava quase cheia de óleo, refletindo os raios de luz como um espelho dourado. Satisfeitos, sentaram-se sob a sombra de uma das palmeiras, partilharam um pouco de fuba e peixe seco, e contemplaram o trabalho do dia.


Naquele instante, cercados pela simplicidade e pelo esforço coletivo da sanzala, Pedro e Zeca sentiram o peso e a beleza da continuidade. Eles não eram apenas extratores de óleo; eram guardiões de uma tradição, cultivadores de um sustento que não era apenas físico, mas também espiritual.


O dia ainda não havia terminado, mas naquela manhã, entre risos de crianças e o canto das mulheres, a sanzala de Mucula havia mais uma vez cumprido o ciclo da vida. Sob a sombra do dendém, a força do passado encontrava o presente, garantindo que o futuro também tivesse suas raízes.



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