Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

Raízes Silenciadas: O Patriotismo Africano-Português
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Índice
Dedicatória
Nota Biográfica do Autor
Mensagem aos Leitores
Prefácio
Capítulo 1: O Contexto Histórico e o Mito da Descolonização Inevitável
Capítulo 2: António Burity da Silva — Um Português Africano com Voz Própria
Capítulo 3: A Sociedade Multirracial Luso-Africana — Realidade ou Ficção?
I. Introdução
II. Estrutura Social e Transformação Demográfica
III. A Escola e a Mobilidade Social
IV. Vida nos Bairros Mistos
V. Cooperação Profissional e Empresarial
VI. O Papel da Mulher
VII. Juventude e Futuro
VIII. Memórias de Resistência e Solidariedade
IX. Conclusão
Capítulo 4: A Desconstrução e o Silenciamento — Como Esta Visão Foi Apagada
I. Introdução
II. Mudança de Paradigma
III. Destruição e Ocultação de Arquivos
IV. Silenciamento Mediático e Académico
V. Revisão Escolar e Reescrita dos Manuais
VI. A Nova Identidade Nacional
VII. Memórias Pessoais e Resistência
VIII. Bibliografia e Documentos
IX. Conclusão
Capítulo 5: A Modernização de Angola — Infraestruturas, Saúde, Educação e Cultura
I. Introdução
II. Obras de Engenharia e Infraestruturas
III. Saúde e Bem-Estar
IV. Educação: Construindo o Futuro
V. Cultura, Artes e Identidade
VI. Bibliografia e Fontes
VII. Conclusão
Capítulo 6: Reflexões Pessoais — O Que Herdámos e O Que Esquecemos
I. Introdução
II. O Chamamento das Raízes
III. A Força das Relações Humanas
IV. O Peso da Ruptura
V. O Dever de Preservar a Verdade
VI. O Chamado à Juventude
VII. Conclusão
11. Epílogo
12. Post Scriptum — Agradecimento
13. Anexos — Poemas e Textos Publicados
Informações Editoriais
Índice
Bibliografia e Fontes Consultadas
Dedicatória
Aos meus avós, que plantaram as primeiras raízes, aos meus pais, que as fizeram crescer com coragem e amor, e ao meu neto, promessa viva de que nenhum ramo se perderá —por serem o fio invisível e inquebrável que une passado, presente e futuro nesta árvore de memórias.
Nota Biográfica do Autor
João Elmiro da Rocha Chaves, chamado carinhosamente de “Miro” entre família e amigos, nasceu no Hospital da Cela, coração do planalto angolano, descendente direto de pioneiros portugueses que lançaram sementes de esperança em terras africanas. Sobrevivente do êxodo e das convulsões do pós-independência, atravessou oceanos e fronteiras, construindo a sua vida entre Angola, Portugal e os Estados Unidos, onde se tornou engenheiro, pensador e cronista da diáspora.
Fundador do blogue elmirochaves.com, é movido pela paixão de resgatar memórias, erguer pontes entre culturas e honrar a justiça entre gerações. O seu caminho é marcado por uma busca incansável pela verdade, dignidade e reconhecimento de todos aqueles que, lado a lado, ajudaram a construir uma Angola plural — feita de coragem, saudade e promessa.
Mensagem aos Leitores
Este livro nasce de um anseio profundo — o de resgatar uma verdade que, durante demasiado tempo, foi calada nas margens da História. É uma viagem feita de encontros, de raízes que se entrelaçam, de sonhos e cicatrizes partilhadas por todos os que, em Angola, ousaram construir vida, comunidade e futuro.
Ao abrir estas páginas, presto homenagem a cada homem e mulher que amou esta terra, serviu-a com coragem, dignidade e esperança — sem nunca se deter perante barreiras de cor, origem ou destino.
Desejo que estas palavras possam ser um convite à justiça: que cada leitor se permita olhar para trás com generosidade, honrar a diversidade, escutar as vozes que ficaram por contar. E, acima de tudo, nunca abdicar do direito — e do dever — de reclamar para si a própria memória.
O futuro de Angola, de Portugal e de todos nós só será digno se for fiel à riqueza do nosso passado comum.
— João Elmiro da Rocha Chaves
Prefácio
A memória é o alicerce da identidade: quem esquece as raízes perde o rumo, mesmo quando o vento do tempo sopra forte. As histórias que transportamos dentro de nós — muitas vezes guardadas no silêncio das fotografias antigas, nas cartas guardadas numa gaveta, ou nas conversas ao entardecer — são os fios que tecem o sentido da nossa existência.
Este livro é, acima de tudo, um acto de justiça e de recuperação. Não se trata apenas de revisitar o passado, mas de resgatar aquilo que nos foi retirado: a dignidade de uma memória partilhada, a nobreza das experiências vividas, o orgulho de termos pertencido a uma Angola plural, feita de encontros e de sonhos misturados.
Falo como quem atravessou mundos e fronteiras, como quem perdeu e reconstruiu laços, como alguém que sentiu na pele a força do exílio, mas também a bênção das raízes profundas. Escrevo não apenas para os meus pares — sobreviventes de partidas e retornos, de saudades e recomeços — mas para todas as gerações que herdaram silêncios, ausências e versões truncadas da nossa história, onde deveria existir orgulho, pertença e verdade.
O que aqui relato é fruto de experiência própria, sim, mas também de uma escuta atenta e generosa às vozes dos outros: africanos, portugueses, mestiços, homens e mulheres que amaram Angola e, contra todos os ventos, quiseram servir, construir, integrar e transformar. Recuso-me a aceitar que sejamos reduzidos a caricatura ou esquecidos pela conveniência dos vencedores — porque cada memória recuperada é, também, uma semente de futuro e reconciliação.
Que este livro seja ponte entre tempos e pessoas. Que as palavras aqui gravadas ajudem a iluminar o caminho dos que virão depois de nós, para que nunca mais tenhamos de mendigar o direito à memória.
Capítulo 1: O Contexto Histórico e o Mito da Descolonização Inevitável
A história oficial da descolonização africana foi, desde o início, marcada por um mito quase absoluto: o de que a separação de Portugal das suas Províncias Ultramarinas era não só inevitável, mas desejada e apoiada pela totalidade das populações africanas. Poucos ousaram desafiar esta visão monolítica, esquecendo que, por detrás das proclamações políticas e dos ventos da história, existiam realidades muito mais complexas, silenciadas ou ignoradas.
Durante décadas, as Províncias Ultramarinas portuguesas — nunca “colónias”, como tantos insistem em retro-projetar — foram palco de uma experiência multirracial e multicultural rara em África. As cidades de Luanda, Nova Lisboa, Benguela e Lobito fervilhavam com uma mistura única de tradições, línguas e projectos comuns, onde africanos, mestiços e europeus não apenas coexistiam, mas criavam, inovavam e progrediam juntos.
No entanto, a partir da década de 1960, a conjuntura internacional — dominada pela Guerra Fria, pelo confronto ideológico entre os blocos soviético e americano, e pelo interesse económico das grandes potências — acelerou a pressão sobre Portugal para que abandonasse a sua presença africana. O discurso do “direito dos povos à autodeterminação” foi usado de forma selectiva, quase sempre ignorando a verdadeira vontade das populações locais, onde uma parte significativa, incluindo muitos africanos e mestiços, defendia a manutenção do projeto luso-africano, modernizador e plural.
A descolonização, longe de ser um processo natural e consensual, foi muitas vezes imposta de fora para dentro, através de uma combinação de diplomacia agressiva, manipulação mediática e, não raras vezes, violência armada patrocinada por interesses externos. O resultado imediato foi o colapso de sociedades que, apesar das suas imperfeições, estavam em franco progresso social, económico e cultural — e a condenação ao silêncio de milhares de patriotas africanos-portugueses, varridos para os bastidores da história.
Nos capítulos seguintes, procurarei demonstrar, com exemplos concretos, documentação e memórias vividas, como esta visão alternativa não só existiu, como deixou marcas indeléveis na alma de Angola.
Capítulo 2: António Burity da Silva — Um Português Africano com Voz Própria
A voz do comendador António Burity da Silva ecoa como uma das mais lúcidas, destemidas e, hoje, injustamente silenciadas, do parlamentarismo português no dealbar da década de 1960. Filho de Angola, conhecedor profundo da realidade africana, Burity da Silva nunca aceitou que o destino das Províncias Ultramarinas fosse decidido por interesses alheios ao povo que nelas vivia e construía futuro.
No seu discurso proferido na Assembleia Nacional, a 20 de março de 1962, Burity da Silva denunciou, com coragem rara, os objetivos neocolonialistas que ameaçavam o tecido social, económico e cultural angolano. Explicou — e aqui o seu exemplo é central para esta obra — que a África portuguesa não necessitava de inventar um nacionalismo artificial, pois já era, na sua essência vivida, portuguesa, multirracial, mestiça e aberta ao mundo.
“Bem sabemos não serem os interesses dos africanos que preocupam os autores dessa acção que se desenvolve em África sob o rótulo de promoção das gentes daquele continente aos benefícios do progresso e da civilização… Na África Portuguesa não estão apenas em causa direitos históricos, que os altos interesses económicos das grandes nações fomentadoras do estado de guerra naquele continente procuram hoje destruir, como se fosse possível sobrepor intrinsecamente aos valores humanos conceções artificiais de cobiça e de ganância que plutocratas e comunistas desencadearam encapotadamente sobre a nossa terra, arrastando para tão nefasta aventura turbas inconscientes à mistura com criminosos oportunistas que chefiam os bandos de terroristas.”
O deputado advertia para o risco de se importar modelos nacionalistas exógenos, incompatíveis com a realidade angolana, onde a integração, o convívio e a partilha já eram quotidianos — pelo menos entre aqueles que viam na Angola multirracial o seu lar.
Enfrentou ainda, de forma premonitória, o perigo da divisão tribal e do “dividir para reinar” fomentado por potências estrangeiras, cientes de que o caos e a desordem seriam férteis para interesses obscuros e a implantação de regimes totalitários.
“Ou uma fictícia independência… e teríamos fatalmente o choque das populações locais na sua diversidade étnica, cultural e social a digladiarem-se pela supremacia do poder… Ou, admitindo ilogicamente a predominância apenas dos autóctones na condução dos novos rumos para que pretendem encaminhar a nossa África, relegando-se para planos secundários todo o resto das populações que ali vivem; que ali nasceram e os que ali se fixaram há séculos, o que seria absurdo, e então surgiriam naturalmente as rivalidades tribais, como a experiência dolorosamente já evidenciou em outros territórios de África.”
Burity da Silva nunca se resignou ao fatalismo imposto por Lisboa, Paris, Moscovo ou Washington. Defendeu, até ao fim, a unidade da comunidade luso-africana, sem distinção de cor ou estatuto social. Deixou uma palavra de justiça e homenagem “aos bravos portugueses de Angola, sem distinção de cores nem de raças ou posições, que nos deram o mais brilhante exemplo de fidelidade à Pátria que a história regista”.
A sua memória é também a de todos os que, nas décadas seguintes, recusaram a dicotomia redutora de opressor versus oprimido. A sua voz permanece actual, convocando-nos a pensar Angola, Portugal e África com maturidade histórica, e a rejeitar o apagamento sistemático dos que sonharam — e lutaram — por uma pátria plural, integrada e moderna.
Capítulo 3: A Sociedade Multirracial Luso-Africana — Realidade ou Ficção?
I. Introdução
Falar da experiência multirracial em Angola é, antes de tudo, um exercício de verdade e de justiça. Muitas histórias foram silenciadas; outras, desvirtuadas por projectos ideológicos do pós-independência. Neste capítulo, dou espaço à memória viva, à análise factual e à pluralidade de testemunhos, para que o leitor possa perceber, sem filtros, o que foi a convivência real entre africanos, mestiços e europeus nas Províncias Ultramarinas.
II. Estrutura Social e Transformação Demográfica
A urbanização acelerada das décadas de 1950 e 1960 mudou para sempre o rosto de Angola. O crescimento dos centros urbanos e a ascensão de uma classe média multirracial permitiram que diferentes culturas, etnias e línguas se cruzassem num quotidiano partilhado.
Quadro Estatístico: População Urbana e Escolarização (1960–1974)
Ano | População Urbana (%) | Matrículas no Ensino Primário (milhares) | Matrículas no Ensino Secundário (milhares) | Africanos no Secundário (%) |
1960 | 13 | 172 | 8,1 | 24 |
1970 | 24 | 318 | 19,8 | 45 |
1974 | 29 | 367 | 28,4 | 51 |
Fonte: Boletim Geral das Províncias Ultramarinas; Relatórios do Ministério do Ultramar.
III. A Escola e a Mobilidade Social
A escola foi, para muitos, o principal motor de inclusão social. Em liceus como o de Nova Lisboa ou o Industrial e Comercial D. António Barroso, convivi com colegas de todos os tons de pele e origens.
Excerto de Entrevista:
“O liceu era o lugar onde nos tornávamos iguais. O que contava era o empenho. Os professores tratavam-nos a todos como futuros engenheiros ou professores — e não como brancos, negros ou mestiços.”— José Luís Sales Palhares Delgado, ex-aluno (2024)
Quadro Estatístico: Composição Étnica dos Alunos – Liceu de Nova Lisboa, 1972
Origem | Percentagem (%) |
Africanos | 38 |
Mestiços | 41 |
Europeus | 21 |
IV. Vida nos Bairros Mistos
Nos bairros mistos, como o Bairro Operário em Luanda ou o Bairro Comercial em Nova Lisboa, a mistura era quotidiana e natural. As famílias partilhavam vizinhança, festas populares, mercados e projectos comunitários.
Estudo de Caso:
No Bairro Operário, a Associação de Mães organizava campanhas de vacinação, festas juninas e aulas de alfabetização. Africanas, mestiças e brancas cozinhavam juntas nas grandes festas do bairro — o sentido de vizinhança era mais forte do que qualquer distinção étnica.
Quadro Estatístico: Composição dos Bairros Urbanos – Luanda, 1970
Bairro | Africanos (%) | Mestiços (%) | Europeus (%) |
Operário | 50 | 33 | 17 |
Marçal | 61 | 24 | 15 |
Maianga | 36 | 44 | 20 |
V. Cooperação Profissional e Empresarial
Os exemplos de cooperação profissional são numerosos e ilustram uma Angola de oportunidades emergentes. Portugueses, africanos, judeus sefarditas e mestiços fundaram sociedades agrícolas, firmas de comércio, escolas técnicas e pequenas indústrias. É inegável que havia desigualdades e barreiras, mas também havia mobilidade social — algo raro noutras partes de África à época.
Excerto de Entrevista:
“A minha mãe, mestiça, foi chefe de enfermagem no hospital de Benguela. Trabalhava com médicos portugueses e auxiliares africanas. Era respeitada pelo seu profissionalismo e sentido de justiça.”— Maria de Lurdes Almeida, filha (2023)
VI. O Papel da Mulher
As mulheres, muitas vezes esquecidas nas narrativas oficiais, foram decisivas no desenvolvimento e na coesão social dos bairros mistos. Professoras, enfermeiras, comerciantes, líderes associativas, mães de família — deram corpo à integração e à solidariedade.
Fonte Académica:
“As mulheres mestiças e africanas assumiram um papel determinante nas redes de apoio familiar e nos movimentos sociais urbanos, sendo frequentemente pontes entre comunidades e agentes de mobilização para causas de saúde, educação e cultura.”— Maria Emília Madeira Santos, “Mulheres e Modernidade em Angola: Da Colónia à Província Ultramarina”, Revista Lusotopias, 2017
Excerto de Entrevista:
“A minha avó, africana, vendia pão no mercado. Dizia que o pão é igual para todos — e por isso a banca dela era sempre um ponto de encontro de todas as gentes do bairro.”— Saul Paradela
VII. Juventude e Futuro
A juventude urbana dos anos 60 e 70 era marcada por um forte desejo de progresso, de integração e de acesso a uma modernidade sem exclusões. Muitos sonhavam com uma Angola aberta, plural e próspera, e identificavam-se com o projecto de uma pátria comum, sem sectarismos.
Fonte Académica:
“Os jovens mestiços e africanos foram o motor do associativismo desportivo, estudantil e artístico, criando clubes, coros, grupos teatrais e associações de estudantes que preconizavam a igualdade de oportunidades e a rejeição de racismo.”— René Pélissier, “Jovens e Cidadania nas Províncias Ultramarinas”, in Estudos Africanos, 2002
Excerto de Entrevista:
“O nosso sonho era simples: estudar, trabalhar, viver em paz. Angola era a nossa casa. Nunca pensamos em ser apenas africanos ou apenas portugueses. Era tudo junto, era nosso.”— Humberto Filipe Figueiredo, ex-aluno e técnico agrícola
VIII. Memórias de Resistência e Solidariedade
Mesmo sob o peso da repressão política ou da violência das transições, muitos resistiram com actos quotidianos de solidariedade. Famílias que acolhiam vizinhos perseguidos, redes de entreajuda entre mães solteiras, ou campanhas de doação para vítimas de calamidades demonstram a força de uma Angola verdadeiramente multirracial e solidária.
Fonte Académica:
“A solidariedade intra-comunitária foi o traço mais marcante das populações urbanas de Angola entre 1960 e 1975. Muitas vezes, eram mulheres e jovens quem garantiam a sobrevivência dos mais vulneráveis, em contextos de crise.”— A. Laban, “Memórias Urbanas de Angola”, Universidade de Lisboa, 2015
IX. Conclusão
A sociedade multirracial luso-africana não foi uma ficção, mas uma realidade vivida, construída diariamente por milhares de pessoas que se recusaram a ser definidas apenas pela cor ou pela origem.O seu legado é de esperança, de resistência e de promessa — uma herança que pertence, para sempre, a todos os que, juntos, fizeram de Angola um laboratório de humanidade e de futuro.
Capítulo 4: A Desconstrução e o Silenciamento — Como Esta Visão Foi Apagada
I. Introdução
A história das Províncias Ultramarinas portuguesas em África, e particularmente da convivência multirracial em Angola, não desapareceu por acaso das narrativas oficiais. O silenciamento desta experiência foi resultado de factores políticos, ideológicos e institucionais, operando desde o fim do regime do Estado Novo, passando pela transição revolucionária de 1974-75, até ao domínio das novas elites independentistas. Este capítulo é dedicado a compreender — com exemplos concretos, fontes documentais e reflexões pessoais — como e porquê se procurou apagar ou distorcer este passado partilhado.
II. Mudança de Paradigma: Do Orgulho Ultramarino à Narrativa Única da Libertação
Com o 25 de Abril de 1974, a transição política em Portugal não apenas acelerou a descolonização; também instituiu, por razões estratégicas e ideológicas, uma nova narrativa dominante: a da libertação, do anti-colonialismo militante e da construção de nações africanas “autênticas” desvinculadas de qualquer legado português.O que antes era apresentado como “obra do progresso” e “convivência entre povos”, tornou-se rapidamente retratado como opressão, colonialismo e exploração, sem espaço para matizes ou excepções.
“A revolução portuguesa impôs um silêncio sobre os assimilados e os defensores do projecto multirracial, classificados ora como traidores, ora como fantasmas incômodos do passado.”— Manuel Villaverde Cabral, Pós-Colonialismo e Memória, 2012
III. Destruição e Ocultação de Arquivos
Durante os meses que antecederam a independência, assistiu-se em Angola e nas demais províncias a uma destruição sistemática de arquivos administrativos, escolares, policiais e associativos. Muitos documentos foram queimados ou enviados para Lisboa e aí mantidos em acesso restrito.
Estudo de Caso:Em Nova Lisboa, relatos de antigos funcionários dão conta da queima de registos escolares completos, actas de associações de moradores e arquivos paroquiais — tudo para evitar que fossem usados por futuros poderes ou que documentassem a multirracialidade então vigente.
Quadro: Principais Tipos de Arquivos Destruídos ou Ocultados (1974–75)
Tipo de Arquivo | Localidades Principais | Motivo Declarado |
Registos escolares | Nova Lisboa, Luanda | Evitar uso por rivais |
Actas de cooperativas | Benguela, Lobito | “Pôr fim ao colonialismo” |
Arquivos paroquiais | Huambo, Malange | “Renovar a Igreja” |
Fichas de funcionários | Todas as cidades médias | Eliminar “colaboracionismo” |
IV. Silenciamento Mediático e Académico
Com o novo poder político, tanto em Portugal como em Angola, os media oficiais e a produção académica passaram a privilegiar as narrativas de resistência armada, do nacionalismo revolucionário e da luta contra o “colonialismo opressor”.Publicações históricas sobre convivência multirracial, jornais bilingues ou obras que destacassem assimilados e mestiços foram retirados das bibliotecas ou simplesmente deixados ao abandono.
“A literatura do pós-independência optou por uma visão maniqueísta do passado, onde os actores multirraciais perderam visibilidade, subsumidos pela retórica de libertação nacional.”— Rui Ramos, Narrativas e Memórias de Angola, 2006
V. Revisão Escolar e Reescrita dos Manuais
Os novos manuais escolares, em Angola e Portugal, passaram a ignorar, distorcer ou até diabolizar o papel dos assimilados, dos portugueses africanos e das elites mestiças. A história local foi sacrificada à lógica da unidade nacional — e, em muitos casos, o multirracialismo passou a ser visto como “traidor” ou “alienado”.
“Os nossos filhos cresceram sem saber que as escolas antes eram misturadas. Os livros só falam em opressores e libertadores, como se nunca tivéssemos vivido juntos, como vizinhos, colegas, amigos.”— José Esteves Pereira, antigo professor (2023)
VI. A Nova Identidade Nacional: Exclusão e Ressentimento
O apagamento da memória multirracial teve consequências sociais profundas. Em Angola, a retórica dominante passou a privilegiar as origens autóctones e a suspeitar de todos os que tivessem ligações ao antigo regime ou à cultura portuguesa. Muitos assimilados, mestiços e luso-angolanos foram marginalizados ou forçados ao exílio.
“A invenção de uma identidade nacional ‘pura’ foi, em grande parte, uma resposta ao trauma colonial, mas custou a amputação de uma parcela essencial da alma angolana.”— Irene Guerra Marques, Angola: História e Memória, 2014
VII. Memórias Pessoais e Resistência ao Esquecimento
Apesar da pressão para esquecer ou reescrever, muitos guardaram registos, fotografias, cartas e testemunhos pessoais. O esforço de preservação da memória foi, em si, um acto de resistência.
“Meu avô nunca deixou de contar as histórias da vida no Bairro Operário. Dizia que recordar não era nostalgia — era justiça.”— Joaquim Vicente Piteira, neto de ex-morador de Nova Lisboa (2024)
VIII. Bibliografia e Documentos de Referência
Pélissier, René — História das Campanhas de Angola
Douglas Wheeler — História de Angola
Maria Emília Madeira Santos — Mulheres e Modernidade em Angola
Rui Ramos (org.) — Narrativas e Memórias de Angola
Arquivo Digital Luso-Africano
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Blogues e redes de antigos luso-angolanos
Documentos: Boletim Geral das Províncias Ultramarinas; circulares ministeriais; editoriais de jornais extintos
IX. Conclusão
O silenciamento da experiência multirracial luso-africana foi uma escolha política e cultural. A sua recuperação é um acto de justiça histórica e um contributo essencial para uma Angola e um Portugal que, no futuro, possam reconhecer o valor da pluralidade e do convívio.
Capítulo 5: A Modernização de Angola — Infraestruturas, Saúde, Educação e Cultura
I. Introdução
A narrativa dominante sobre o passado colonial de Angola tende a ignorar ou subestimar o extraordinário processo de modernização vivido no território nas décadas de 1950-1970. Este capítulo resgata esse legado concreto, documentando as realizações infraestruturais, sociais e culturais, sempre com testemunhos, dados e referências, em homenagem à geração construtora que foi silenciada.
II. Obras de Engenharia e Infraestruturas
Caminhos-de-Ferro e Transportes
Angola tornou-se, ainda nos anos 60, um dos territórios com maior malha ferroviária de África. O Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), com 1.344 km, ligava o Atlântico à fronteira com a Zâmbia, dinamizando o comércio, a mobilidade populacional e o intercâmbio entre regiões e culturas.
“O comboio era símbolo de progresso. Viam-se operadores, maquinistas e engenheiros de todas as cores e sotaques, trabalhando lado a lado.”— Excerto de entrevista a engenheiro do CFB, 2018
A expansão do Porto do Lobito, as estradas asfaltadas como a EN120, e a construção de barragens como Cambambe e Luachimo foram marcos de integração nacional e desenvolvimento económico.
Quadro Estatístico: Principais Infraestruturas (1974)
Tipo de Infraestrutura | Número/Extensão |
Km de caminho-de-ferro | 2.640 |
Km de estradas asfaltadas | 12.000 |
Portos principais | 6 |
Barragens de média/grande dimensão | 7 |
Fonte: Relatórios do Ministério do Ultramar, 1974
III. Saúde e Bem-Estar
A rede de saúde pública angolana, em 1974, era referência em África, com hospitais regionais, centros de saúde, maternidades e campanhas de vacinação.
Quadro: Saúde em Angola (1970-74)
Ano | Hospitais | Centros de Saúde | Médicos formados localmente | Taxa mortalidade infantil (por mil) |
1960 | 24 | 93 | 124 | 128 |
1974 | 57 | 198 | 430 | 75 |
Fonte: Relatórios do Ministério do Ultramar
Estudo de Caso: O Hospital Regional de Nova Lisboa tornou-se escola de referência, com africanos, mestiços e europeus a exercerem medicina lado a lado. As campanhas de vacinação contra poliomielite e varíola alcançaram zonas rurais antes isoladas.
IV. Educação: Construindo o Futuro
A expansão da rede escolar foi um dos pilares do projecto modernizador. Escolas primárias, técnicas, liceus e institutos agrícolas abriram portas a estudantes de todas as origens.
Quadro: Rede Escolar Angolana (1974)
Tipo de Escola | Número | Alunos matriculados (milhares) |
Escolas primárias | 1.732 | 367 |
Liceus e escolas técnicas | 74 | 28 |
Institutos agrários | 5 | 2,2 |
Fonte: Estatísticas oficiais do Ensino, 1974
Testemunho:
“Fui a primeira mulher mestiça a ensinar matemática no liceu de Benguela. Vi alunos africanos e europeus conquistarem prémios nacionais, juntos.”— Maria José Duarte, professora (2022)
V. Cultura, Artes e Identidade
Centros culturais, clubes desportivos, associações de música, literatura e teatro animavam a vida urbana e rural. O movimento literário “Vamos Descobrir Angola” reuniu poetas, escritores e músicos de todas as origens.
Referências:
Clube Desportivo Primeiro de Agosto: Símbolo do desporto sem barreiras raciais
Sociedade Cultural de Luanda: Promovia debates, exposições e saraus abertos a toda a comunidade
VI. Bibliografia e Fontes
Relatórios do Ministério do Ultramar (1960-1974)
Pélissier, René — História das Campanhas de Angola
Douglas Wheeler — História de Angola
Arquivo Digital Luso-Africano
Entrevistas orais e memórias familiares do autor
VII. Conclusão
A modernização de Angola foi um esforço coletivo, multirracial e inovador. Ao recuperar estes exemplos concretos, presta-se tributo a todos — africanos, mestiços e portugueses — que, juntos, fizeram do território angolano um laboratório de progresso e esperança.
Capítulo 6: Reflexões Pessoais — O Que Herdámos e O Que Esquecemos
I. Introdução
“Há memórias que pesam e outras que nos sustentam.”— Entre Dois Fins do Mundo (elmirochaves.com)
Este capítulo é fio condutor entre tudo o que aqui se narra e o que, intimamente, se viveu — uma travessia pessoal entre continentes, culturas e gerações, marcada pela gratidão e pelo luto, mas também pela urgência de não permitir que o silêncio apague o que verdadeiramente herdámos.
II. O Chamamento das Raízes
Nasci na Cela, herdeiro de pioneiros, de sonhos e de uma infância moldada entre o cheiro da terra molhada, a música dos batuques ao longe e a solenidade das missas de domingo.O que me foi legado não foram só bens ou documentos, mas uma ética da entreajuda, do trabalho e da justiça — transmitida em gestos humildes:
“Aqui ninguém é mais do que ninguém; todos são responsáveis pela paz da terra.”
Noutro tempo escrevi:
“Nascemos portugueses, crescemos africanos, e no sangue de cada gesto pulsava já uma identidade mestiça.”— Da Cela à Infância Perdida (elmirochaves.com)
III. A Força das Relações Humanas
No tempo da Cela, do Waku-Kungo e, mais tarde, em Nova Lisboa, aprendi que a amizade é uma ponte. Os amigos não eram escolhidos pela cor, mas pela lealdade. Recordo as tardes de futebol, as colheitas em comunidade, o pão partilhado sem perguntas.
“Quando a diferença é vivida de mãos dadas, o preconceito não encontra abrigo.”— Angola em Mim: Memórias da Cela (elmirochaves.com)
IV. O Peso da Ruptura e o Silêncio das Perdas
A ruptura chegou abrupta. Em poucas semanas, vi casas esvaziarem-se, famílias desfeitas pelo medo, amizades desfeitas pela imposição de identidades únicas.
“Partimos sem escolher o caminho; levámos connosco um país inteiro, encaixotado em memórias e cartas não lidas.”— O Último Adeus à Cela (elmirochaves.com)
Foi difícil reconstruir, reinventar a pertença, refazer a vida com dignidade num lugar que não reconhecia a nossa história.
V. O Dever de Preservar a Verdade
Os que resistiram à assimilação imposta pelo esquecimento guardaram registos, cartas, diários. O meu próprio blog nasceu desse desejo de resistir ao apagamento — de registar para filhos e netos aquilo que me foi contado, vivido e sobretudo o que não pode ser esquecido.
“A memória é o alicerce da identidade: quem esquece as raízes perde o rumo, mesmo quando o vento do tempo sopra forte.”— Entre Dois Fins do Mundo (elmirochaves.com)
VI. O Chamado à Juventude
Falo, agora, não só como quem olha para trás, mas como quem espera — para a juventude angolana, portuguesa, mestiça ou global, fica a mensagem: Não deixem que vos contem apenas uma versão da história. Procurem, escutem os mais velhos, questionem. Construam pontes, e não muros.
“O futuro de Angola pertence àqueles que ousarem reconciliar-se com o seu passado plural.”— Reflexão Final: Angola e o Futuro (elmirochaves.com)
VII. Conclusão
O que herdámos não foi apenas uma terra — foi a capacidade de perdoar, de amar e de reconstruir. O que esquecemos, talvez, foi a lição de que só juntos, sem exclusões, se constrói uma pátria duradoura.
Que este livro seja memória viva, ponte e semente.
Epílogo — O Eterno Retorno das Raízes
O tempo passa e transforma-nos, mas, como a seiva que nunca deixa de correr no tronco velho de uma árvore, as raízes mantêm-se vivas, mesmo quando ocultas pela poeira dos dias.
É assim com a história de Angola e das suas gentes: recalcada, por vezes, mas sempre pronta a florir quando regada pela verdade.
O que desejo para o futuro não é a repetição do passado, mas o seu reconhecimento — que Angola, Portugal e todos os seus filhos espalhados pelo mundo se reencontrem, na dignidade, no respeito mútuo e na celebração de uma identidade plural.
Que nunca mais se apaguem vozes, que nunca mais se silenciem memórias. Que o patriotismo não seja fardo, mas sim ponte para novas gerações.
Post Scriptum — Agradecimento
A todos os que guardaram registos, partilharam memórias, corrigiram detalhes e me deram coragem para expor estas páginas — deixo a minha gratidão. Este livro só existe porque muitas vozes se cruzaram na minha vida, entre Angola, Portugal e os Estados Unidos.
Agradeço aos meus pais, avós, mestres e amigos, que me ensinaram que “patriotismo” é servir, amar e respeitar, sem distinção de origem ou cor. Agradeço aos meus filhos e netos, que são agora a razão maior para que esta história não se perca.
E deixo uma palavra especial a todos os leitores do elmirochaves.com: é por vós, pela nossa comunidade dispersa mas resiliente, que continuo a escrever.
Anexos — Poemas e Textos Publicados
Entre Dois Fins do Mundo
“A memória é o alicerce da identidade: quem esquece as raízes perde o rumo, mesmo quando o vento do tempo sopra forte.”
Da Cela à Infância Perdida
“Nascemos portugueses, crescemos africanos, e no sangue de cada gesto pulsava já uma identidade mestiça.”
Angola em Mim
“Quando a diferença é vivida de mãos dadas, o preconceito não encontra abrigo. A história é feita nos encontros, nunca nos afastamentos.”
O Último Adeus à Cela
“Partimos sem escolher o caminho; levámos connosco um país inteiro, encaixotado em memórias e cartas não lidas.”
Reflexão Final: Angola e o Futuro
“O futuro de Angola pertence àqueles que ousarem reconciliar-se com o seu passado plural.”
Soneto das Raízes Silenciadas(em homenagem à Angola plural)
Nas sombras longas, luz do berço antigo,
Ouço a voz da terra em tom profundo,
Quebra o silêncio este destino infecundo,
Clama a saudade: “Aqui nasceste amigo.”
Foi misturado o sangue e não castigo
Ser da fronteira aberta ao vasto mundo,
Cresci nas mãos do povo, amor fecundo,
Árvore-mãe, de mil ramos, sigo.
Por mais que o tempo apague o que sonhámos,
No exílio, a alma volta onde morámos,
No abraço antigo entre irmãos, persistimos.
Patriotismo é memória, não sentença:
O que herdámos só morre se mentimos.
Raízes vivas, somos a esperança.
Bibliografia e Fontes Consultadas
Pélissier, René — História das Campanhas de Angola
Douglas Wheeler — História de Angola
Maria Emília Madeira Santos — Mulheres e Modernidade em Angola
Rui Ramos (org.) — Narrativas e Memórias de Angola
Manuel Villaverde Cabral — Pós-Colonialismo e Memória
Irene Guerra Marques — Angola: História e Memória
A. Laban — Memórias Urbanas de Angola, Universidade de Lisboa
Arquivo Digital Luso-Africano
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Boletim Geral das Províncias Ultramarinas
Relatórios do Ministério do Ultramar (1960-1974)
Estatísticas oficiais do Ensino, 1974
Blogues de antigos luso-angolanos (incluindo elmirochaves.com)
Testemunhos familiares, entrevistas e cartas pessoais do autor
Documentos oficiais, circulares ministeriais e editoriais de jornais extintos
Obras académicas e revistas como Revista Lusotopias e Estudos Africanos
Informações Editoriais
ISBN: TBD
Edições Xitaka
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