Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

A Magia da Simplicidade: Brincadeiras Criativas em Waku Kungo
2
2
0
Crescer na antiga Santa Comba (hoje Waku Kungo), Angola, nos anos dourados da minha infância, foi como viver uma aventura sem fim. Num tempo em que os recursos eram escassos, a nossa imaginação era o tesouro mais valioso que possuíamos. Nada exemplifica melhor essa engenhosidade do que as tratinetes (trotinetes) de madeira que construíamos com nossas próprias mãos — verdadeiros ícones das nossas brincadeiras.
Essas tratinetes eram obras-primas de criatividade. Reaproveitávamos tábuas de madeira de construções inacabadas ou reformas que encontrávamos, e com um pouco de destreza manual e muita imaginação, transformávamos esses materiais simples em veículos que nos traziam horas de diversão. A estrutura começava com duas tábuas verticais unidas por uma tábua horizontal, formando um guidão em forma de T. Mas o verdadeiro desafio era encontrar as rodas perfeitas. Não tínhamos acesso a rodas convencionais, então, usávamos rolamentos de esferas de tratores — grandes esferas de metal que deslizavam como se fossem feitas para isso. O resultado? Veículos que, apesar de rústicos, proporcionavam uma aventura inesquecível pelas ruas de terra.
Se observarmos bem, até mesmo os mopeds e patinetes elétricos de hoje em dia seguem um design básico semelhante. Mas a nossa versão, com seu toque artesanal e improvisado, trazia uma sensação única de conquista e liberdade. Veja na imagem abaixo como eram as nossas tratinetes:
Cada trotinete tinha a sua personalidade. Uns eram mais rápidos, outros mais fáceis de manobrar, mas todos eram motivo de orgulho para quem os construía. Reuníamos a criançada e, com nossas tratinetes, competíamos em corridas emocionantes pelas ladeiras do Waku Kungo. A sensação de liberdade que esses veículos improvisados proporcionavam era incomparável — o vento no rosto e o riso compartilhado entre amigos tornavam cada tarde um evento memorável.
Essas tratinetes eram muito mais que brinquedos; representavam a nossa habilidade de criar o extraordinário a partir do comum. Naquelas tardes ensolaradas, em que o mundo parecia nosso, aprendemos uma lição que levamos para a vida: a simplicidade e a criatividade são a chave para a verdadeira alegria. Olhando para trás, percebo que essas experiências moldaram minha maneira de ver o mundo. A capacidade de criar com poucos recursos foi uma lição de engenhosidade que levo até hoje, tanto na minha vida pessoal quanto profissional. O que começamos com uma tábua e algumas peças de trator, aplico agora em projetos complexos, sempre lembrando que a simplicidade muitas vezes é a melhor solução.
Outra invenção fascinante eram os aviões feitos com o miolo das canas de milho secas. Nós os construíamos com capricho, prendíamos uma linha forte na frente, e corríamos com toda a nossa energia para vê-los voar pelos céus. Em uma tentativa ousada, até amarrei uma libélula ao meu avião, acreditando que ela poderia impulsioná-lo ainda mais alto. Embora o plano não tenha dado certo, foi uma experiência que gerou muitas gargalhadas.
Waku Kungo também abrigava sua própria joia arquitetónica: a imponente igreja barroca portuguesa, que dominava o centro da cidade. Suas torres altas e a fachada ornamentada eram um lembrete constante da mistura de culturas e da história europeia, fincada no coração da Angola rural. Era um lugar que, para nós, representava a grandeza em meio à simplicidade.
Hoje, com a era da tecnologia e do consumo em massa, é fácil esquecer a magia dessas pequenas invenções e brincadeiras. Mas as lições de Waku Kungo permanecem vivas em mim: a verdadeira felicidade não vem de brinquedos caros ou avanços tecnológicos, mas da capacidade de transformar o ordinário em momentos extraordinários, com nada além de imaginação e engenhosidade.
