Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

A Magia Escondida na Loja da Minha Infância em Santa Comba - Cela
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Desde os meus tenros oito anos, compreendi o verdadeiro significado da responsabilidade. Enquanto muitos dos meus colegas corriam pelas ruas em brincadeiras despreocupadas após a escola, eu me apressava em direção à loja dos meus pais em Santa Comba, onde um mundo inteiro me aguardava. Mas aquela não era apenas uma simples loja; era um universo pulsante, uma segunda casa, um ponto de encontro onde as vidas se entrelaçavam e onde aprendi as lições mais preciosas da minha existência.
Nossa loja era um mosaico de possibilidades. As prateleiras abarrotadas ostentavam de tudo um pouco: do açúcar cristalino que brilhava como pequenos diamantes sob a luz da tarde, ao arroz e feijão que eram a alma das refeições familiares, até as batatas robustas recém-colhidas da terra. Cada produto era cuidadosamente pesado nas balanças antigas que, como guardiãs do equilíbrio, precisavam estar sempre perfeitamente calibradas sob o olhar vigilante dos fiscais que apareciam sem aviso.
As visitas dos fiscais eram momentos de tensão palpável. Quando suas silhuetas surgiam à porta, um silêncio denso preenchia o ar, e meu pai e minha mãe trocavam olhares apreensivos. Os preços impostos pelo governo muitas vezes pareciam uma piada cruel, mal cobrindo nossos custos. Ainda assim, a honestidade era um tesouro inegociável para nós. Sabíamos que a confiança dos nossos clientes era o alicerce que sustentava não apenas o negócio, mas também a nossa reputação e dignidade.
Além dos mantimentos, nossa loja se metamorfoseava em um verdadeiro bazar de maravilhas. Vendíamos roupas que contavam histórias, sapatos que carregavam sonhos e tecidos por metro que aguardavam ansiosamente para ganhar vida nas mãos habilidosas de uma costureira. Minha mãe, uma artista nata com a máquina de costura "Oliva", reinava ao final do balcão, cercada por um arco-íris de tecidos que dançavam ao sabor da brisa. Cada cliente que escolhia um tecido saía carregando não apenas um pedaço de pano, mas a promessa de uma peça única, confeccionada com esmero, seja pelas mãos dela ou pelo alfaiate meticuloso que trabalhava na penumbra dos fundos da loja.
O ambiente era um balé constante de pessoas e emoções. Os fregueses não vinham apenas para comprar; vinham para compartilhar um pedaço de suas vidas, trocar confidências, buscar um conselho amigo. Conhecíamos todos pelo nome, e cada rosto era um capítulo de uma história maior que se escrevia ali, dia após dia. Eu me sentia parte de algo grandioso, não apenas vendendo produtos, mas construindo laços indeléveis com cada alma que cruzava aquela porta.
Recordo-me com carinho de quando escapulia para junto dos tecidos, deixando-me encantar pelas estampas vibrantes e texturas variadas. Imaginava como aqueles rolos poderiam se transformar em algo magnífico, embelezando a vida de alguém. Dona Maria, uma cliente fiel de sorriso caloroso, vinha religiosamente toda semana para conferir as novidades. "Joãozinho", dizia ela com olhos brilhantes, "este aqui vai virar o vestido mais bonito que a minha sanzala já viu!" E, de fato, nas mãos mágicas da minha mãe e do alfaiate, aqueles tecidos ganhavam alma.
Os anos deslizaram como folhas ao vento, e a loja manteve-se como o coração pulsante de nossas vidas, um santuário de aprendizado e afeto. Mesmo nos dias mais árduos, quando os fiscais batiam à porta ou quando os estoques lutavam para acompanhar os preços instáveis, encerrávamos cada jornada com a serenidade de quem sabe ter dado o melhor de si à comunidade que tanto amávamos.
Hoje, ao revisitar essas memórias, sinto como se estivesse novamente caminhando pelos corredores estreitos, rodeado pelas prateleiras que pareciam alcançar o céu, repletas de mercadorias que narravam suas próprias histórias. Havia algo de verdadeiramente mágico naquele ambiente simples. O som ritmado da máquina de costura da minha mãe era como uma melodia reconfortante, o tilintar das moedas no caixa soava como música aos meus ouvidos, e as conversas animadas dos fregueses teciam uma sinfonia de vozes que preenchia o espaço com vida.
Lembro-me de como o tempo ali tinha vontade própria. Em dias movimentados, voava como pássaro em liberdade, enquanto nos apressávamos para atender a todos os clientes que vinham abastecer suas despensas. Eu, ainda menino, sentia-me importante ao carregar sacos de arroz e feijão, ao conferir com seriedade as quantidades de farinha ou açúcar na balança. Cada atendimento era um ritual sagrado, um momento único de conexão.
Mas os instantes mais preciosos eram, sem dúvida, quando as criações da minha mãe ou do alfaiate ganhavam vida. Ver a expressão de alegria nos rostos dos clientes ao receberem suas roupas feitas sob medida era uma recompensa inestimável. Eram peças que carregavam não apenas fios e tecidos, mas também sonhos e expectativas. Sentia-me orgulhoso por participar, ainda que modestamente, desse processo mágico, seja carregando os rolos de tecido que pareciam pesar menos diante da minha empolgação ou ajudando a tirar medidas com a seriedade de um profissional.
A loja era um mundo de contrastes: trabalho árduo e diversão inocente conviviam harmoniosamente. Nas horas mais calmas, eu me perdia entre as prateleiras, explorando cada item com a curiosidade insaciável de uma criança. Uma lata de conservas com um rótulo exótico podia despertar minha imaginação sobre lugares distantes; um pacote de biscoitos fazia meus olhos brilharem; e os tecidos... ah, os tecidos eram portais para universos infinitos.
Conforme o tempo passou, minhas responsabilidades cresceram, e com elas, meu comprometimento. Deixei de ser apenas o garoto que pesava sacos de mantimentos para me tornar uma parte essencial do negócio da família. Meu pai confiava em mim para cuidar do caixa, uma missão que eu cumpria com o orgulho de quem segurava nas mãos o coração financeiro da loja. Recordo com nitidez a sensação de maturidade que me invadiu quando atendi sozinho os primeiros clientes, como se, naquele instante, estivesse cruzando um portal para a vida adulta.
Entretanto, era no mundo dos tecidos que meu encanto realmente florescia. As cores vibrantes, as texturas suaves ou encorpadas, as estampas que contavam histórias – tudo isso me fascinava. Minha mãe costumava dizer que cada rolo de tecido era uma página em branco, pronta para ser escrita com criatividade e paixão. E ela era a escritora perfeita, tecendo com maestria peças que pareciam sair das mais elegantes vitrines. O alfaiate, com seu olhar atento aos detalhes e mãos precisas, complementava essa arte, criando calças e ternos que vestiam não apenas o corpo, mas também a personalidade de cada cliente.
Os fregueses chegavam cheios de expectativas, descreviam sonhos que minha mãe e o alfaiate transformavam em realidade palpável. Ver algo tão simples como um pedaço de pano se tornar uma obra de arte era uma experiência que nunca deixava de me maravilhar. Muitas vezes, sentava-me ao lado da máquina de costura, hipnotizado pelo movimento incessante da agulha e pelo som cadenciado que preenchia o ar, enquanto conversávamos sobre a vida, sobre as pessoas que entravam e saíam, deixando um pouco de si e levando um pouco de nós.
As histórias dos clientes eram um capítulo à parte. Dona Lúcia, com suas mãos enrugadas e olhar afetuoso, falava com orgulho das netas para quem costurava vestidos cheios de amor. Cada medida tirada pela minha mãe era acompanhada por relatos de risos infantis e travessuras. Já o Sr. António, sempre elegante e bem-humorado, compartilhava aventuras de suas viagens de negócios, assegurando que as camisas feitas por nós eram motivo de elogios nos lugares mais distantes.
Era nesses momentos que a loja transcendia sua função comercial e se transformava em um palco onde vidas se cruzavam, onde histórias se contavam e onde vínculos se fortaleciam. Cada produto vendido, cada peça de roupa confecionada, cada conversa trocada contribuía para tecer a tapeçaria das memórias que hoje guardo com tanto carinho.
E assim, a loja da minha infância não foi apenas um cenário do passado, mas um verdadeiro personagem na minha história, moldando quem me tornei e ensinando-me o valor do trabalho, da honestidade e, sobretudo, da conexão humana. As lembranças daquele tempo continuam a aquecer meu coração, como a luz suave que atravessava as janelas no final da tarde, iluminando os rostos dos clientes e os sorrisos compartilhados. E é com gratidão que revivo esses momentos, sabendo que, de alguma forma, a magia daquele lugar permanece viva dentro de mim.





