Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

A Minha Infância em Santa Comba, Cela
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Crescer em Santa Comba, Cela, é uma memória que guardo com profunda ternura no coração. A minha infância foi repleta de aventuras simples, mas cheias de significado, num cenário sereno da Angola pré-independência. A pequena vila, elevada posteriormente a cidade, com sua tranquilidade e ritmo próprio, foi o palco das minhas primeiras descobertas, amizades e lições de vida.
Os meus dias começavam cedo, despertado pelos primeiros raios de sol que tingiam a paisagem. O som dos pássaros e o murmúrio constante dos rios Cussoi e Keve eram a trilha sonora que acompanhava cada jornada diária. Minha família possuía uma loja, e grande parte do meu tempo era passado lá, entre clientes e mercadorias. A loja, no entanto, não era apenas um negócio; era um ponto de encontro da comunidade, onde histórias da vila eram trocadas e onde não se partilhavam apenas bens, mas também risadas e sabedoria.
Foi nesse ambiente que aprendi o valor do trabalho árduo, da honestidade e do respeito. Desde cedo, aos oito anos, ajudava a atender os clientes, observando meus pais com dedicação e absorvendo lições valiosas. Entendi rapidamente que o caráter de uma pessoa se constrói nas pequenas atitudes cotidianas, nas interações com os outros e na forma como encaramos as adversidades.
Uma das memórias mais marcantes da minha infância foi quando aprendi a andar de bicicleta. Na loja, vendíamos muitas bicicletas para adultos, mas eu nunca tive uma própria, adequada ao meu tamanho de criança. No entanto, isso não me desmotivou. Certa vez, pedi emprestada a bicicleta de um cliente, grande demais para mim. Pedalar naquela máquina parecia impossível, mas a minha determinação falou mais alto.
Coloquei uma perna entre o triângulo da bicicleta, e, com persistência e alguns arranhões nos joelhos e calcanhares, consegui finalmente me equilibrar e pedalar. A sensação do vento batendo no meu rosto enquanto avançava pela estrada de terra foi uma liberdade que jamais esquecerei.
A vida em Santa Comba, apesar das dificuldades, era genuína. A simplicidade daquele lugar moldou quem eu sou. Era um tempo em que o relógio parecia girar mais devagar, com dias longos e cheios de brincadeiras, e noites estreladas onde nos reuníamos ao redor de fogueiras para ouvir as histórias dos mais velhos.
Recordo com carinho das festas populares, quando a cidade inteira se reunia para celebrar. A música, as danças e as comidas tradicionais enchiam o ar de alegria e pertencimento. Mesmo nos momentos mais difíceis, a comunidade permanecia unida, encontrando forças nas profundas raízes culturais que nos sustentavam.
Santa Comba era mais do que o local onde cresci; era o lar onde aprendi o verdadeiro significado da palavra “comunidade”, onde forjei os valores que carrego até hoje e onde deixei uma parte do meu coração. Com o passar do tempo, e apesar de a vida me ter levado para longe, as memórias da minha infância em Santa Comba, Cela, permanecem como um farol a guiar-me nas minhas jornadas futuras.
Hoje, ao relembrar esses dias, sinto uma profunda gratidão por ter crescido num lugar tão especial, onde cada momento, cada desafio e cada alegria contribuíram para a construção da minha identidade. Santa Comba, com suas ruas de terra, seu povo caloroso e suas paisagens deslumbrantes, será sempre parte de mim, um reflexo do que fui e do que ainda sou.
Soneto
E aqueles que por obras valerosas,
Se vão da lei da morte libertando,
Imortalizando em feitos e em prosas,
Heróis que o tempo vai sempre guardando.
Assim cresci, entre lendas e memórias,
Forjando o espírito nas terras santas,
Buscando nas raízes minhas glórias,
E o futuro desenhado nas mantas.
Hoje, relembro com viva emoção,
As lições de outrora, tão prementes,
Que guiaram minha alma em devoção,
No caminho da vida, sempre em frentes.
Santa Comba, tu és o meu tesouro,
Nas tuas sendas encontrei o ouro.
