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Línguas em Dança: Confissões de Uma Mente Multilingue

jul 19

7 min de leitura

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"Já se encontrou a meio de uma frase, com olhos perdidos em busca daquela palavra perfeita — só para perceber que ela não existe bem em português, nem em inglês, ou talvez só faça sentido numa língua que os seus avós falavam? Bem-vindo ao meu mundo.


Pensar, sonhar e até discutir, para mim, é como dar uma festa diária na cabeça, onde cada idioma tem o seu próprio ritmo e jeito de dançar. Às vezes, deslizam juntos em harmonia; noutras, pisam-se e deixam todos (inclusivamente eu!) por um instante baralhados. Este texto é o meu convite para entrar na pista. Aqui, histórias, gargalhadas e tropeções linguísticas fazem parte do espetáculo. Seja você também multilingue ou apenas curioso sobre o que se passa quando as palavras começam a misturar-se, venha descobrir o que acontece quando a música falha e as línguas assumem o comando.


1. O Fascínio da Mente Multilingue


Se alguma vez parou a meio de uma conversa acesa — no trabalho, à mesa, ou no dia a dia — e fechou os olhos, seguindo mentalmente o dicionário à procura daquela expressão que escapa… parabéns! Você pode estar abençoado ou a sofrer com a “Mente Multilingue”.


Para quem domina mais do que uma língua, cada discussão pode tornar-se numa prova olímpica: quem consegue encontrar primeiro a expressão certa? O prémio? Ser entendido, transmitir a ideia e, com sorte, não parecer que está a dar um erro de sistema.


Domino o inglês e o português — por vezes ambos ao mesmo tempo, outras numa espécie de código secreto só decifrável pelos meus neurónios. Mas quando a conversa aquece, sempre há aquela pausa: congelo, procuro as palavras certas, e todos à volta fixam-me com curiosidade e dúvida, e, ocasionalmente, o brilho subtil de “Afinal, ele também se atrapalha!”


Anedota: Uma vez, no meio de uma reunião de equipa, defendia um ponto de vista quando, de repente, todas as línguas dentro da minha cabeça travaram ao mesmo tempo. Fiquei tão perdido que um colega sussurrou: “Precisas de reiniciar, João?” Só me restou rir — se eles soubessem a festa que ia ali dentro!

É nestes momentos que percebo: ser multilingue é tanto um dom como uma piada — depende apenas de quem está na sala. Por isso, dedico este texto a todos os que vivem com um baile de línguas na cabeça — e aos monolingues, obrigado pela paciência durante as nossas “reinicializações”.


2. A Discoteca Mental


Entre na minha mente num dia qualquer e encontrará um cenário digno do mítico Studio 54. As portas abrem-se e o inglês entra logo — elegante, pronto com uma resposta rápida. Pouco depois, o português toma conta da pista, vestido de saudade e poesia, convidando todos a desacelerar, revisitar memórias ou discutir por gosto.


A cabine do DJ está cheia: às vezes, o Kimbundu aparece de surpresa, com um provérbio sem equivalente direto em inglês ou português. O espanhol e o francês espreitam na zona VIP, prontos a entrar sempre que se pede um toque internacional.


E aqui está o segredo: cada idioma dança ao seu próprio compasso. O inglês busca eficiência — dois passos e está feito. O português, eterno romântico, prefere uma valsa lírica. O Kimbundu lança um ritmo que obriga todos a parar: “Como é que explico isto?”


De vez em quando, instalam-se pequenas guerras pelo microfone. O inglês quer ser pragmático. O português insiste em pôr sentimento em tudo. O Kimbundu atira um provérbio que deixa todos a pensar, enquanto eu, o DJ, tento escolher a próxima faixa.


Há dias em que a transição é perfeita — um verdadeiro samba de alternância. Noutros, é uma mistura desastrosa de metáforas que deixa os espectadores confusos, como se assistissem a uma dança interpretativa sem legendas. Mas, seja como for, a discoteca nunca fecha. O ritmo continua — às vezes fluído, às vezes trapalhão, sempre com a esperança de que um dia todos apanhem o compasso.


3. O Tropeção Bilíngue


É aqui que a festa fica interessante. Não importa quantas línguas estão a tocar na sua playlist mental; há sempre momentos inesquecíveis em que a música… simplesmente pára.


Imagine isto: você está a desenrolar um raciocínio brilhante, palavras fluindo, argumento prestes a brilhar — e de repente, a mente tropeça. Todas as línguas travam ao mesmo tempo, deixando-o congelado a meio da frase, com o olhar perdido no teto à procura da palavra certa… que teima em não aparecer no idioma pretendido.


Para quem assiste, parece que avariou — expressão vazia, mão no ar suspensa, silêncio embaraçoso. Uns tentam ajudar (quase sempre sem sucesso), outros cruzam os braços e pensam: “Ah, afinal não é assim tão fluente.” O complexo de superioridade cintila nos olhos de alguns.


Por dentro? Caos total. O português grita sugestões. O inglês agita flashcards desesperadamente. O Kimbundu sugere uma sabedoria sem tradução. Sabe exatamente o que quer dizer — mas apenas em palavras que ninguém à volta entende.


Todo multilingue conhece bem este filme:

  • A palavra está mesmo ali — na ponta da língua… mas a língua anda ocupada a vasculhar o armário dos idiomas.

  • Está no meio de uma explicação e o cérebro envia a frase perfeita… na língua errada.

  • Sai-lhe um provérbio que é ouro em português, mas, traduzido, parece descrever uma galinha a tentar calçar sapatos.


É aí que percebe que o mundo espera de si um Google Translate ambulante, mas às vezes o sinal de WiFi mental está fraco. Assim, tropeçamos. Às vezes recuperamos com um sorriso; outras vezes inventamos uma nova palavra e seguimos em frente — mas, claro, todos reparam.


4. Traduzindo o Intraduzível


E chega a verdadeira prova de fogo: aqueles momentos em que a palavra perfeita surge na mente — poética, precisa, carregada de sentido… mas só em português. Ou inglês. Ou numa mistura que só os antepassados reconheceriam.


Veja-se “saudade”. Tente explicar em inglês: é uma nostalgia profunda, carregada de amor e melancolia. Mas sejamos honestos — quando acaba a explicação, o sentimento já envelheceu e cresceu barba.


Ou “desenrascanço” — aquela arte tão portuguesa de resolver o impossível com criatividade e uma pitada de desespero. O mais próximo em inglês talvez seja “MacGyvering”, mas isso nem chega lá.


E depois há os ditados. Tente dizer a colegas americanos que alguém “está tonto” ou “armado em carapau de corrida”. Veja como eles procuram desesperadamente referências culturais, enquanto você se diverte com o choque.


Há alturas em que gostava de poder transmitir o sentimento, estilo Matrix, diretamente para a cabeça dos outros. Mas não — resta-nos fazer acrobacias explicativas, gesticular, e por vezes desistir: “Deixa, não tem tradução.”


É humilhante, hilariante, e sempre um lembrete de que há partes de nós que se recusam a caber num só idioma. Mas tentamos sempre, porque cada tentativa é uma ponte, e cada “Hã?” do outro lado é uma janela aberta para outro mundo.


5. Olimpíadas do Code-Switching


Se houvesse medalhas para alternância linguística, os multilingues teriam mais troféus que o Phelps. O dia a dia é um vaivém constante entre línguas — por vezes dentro da mesma frase, da mesma ideia, sem se aperceber até ver as caras confusas à sua volta.


Os verdadeiros craques mudam de registo entre culturas e idiomas quase sem tropeçar. Mas até os melhores têm suas quedas dignas de ouro olímpico:

  • Mistura Acidental: Começa em português, salta para inglês, lança um provérbio em Kimbundu, e termina com uma piada em inglês. Para si, é natural. Para os outros, é um cubo mágico linguístico.

  • Gafe no Corredor: Diz que o colega “está tonto” e só percebe o disparate quando outros ficam a pensar se precisam de chamar um médico.

  • Troca de Chamadas: Ao telefone com a família, muda de língua sem esforço. De repente, responde ao chefe em português — e ele ainda está a decifrar o “bom dia”.


O mais engraçado é que, muitas vezes, nem se dá conta. Com um amigo bilingue, ambos vão alternando entre os idiomas, escolhendo sempre o que melhor se encaixa no sentimento ou memória. Quem ouve de fora pensa que estão a inventar um novo dialeto (e às vezes estão mesmo).


No melhor dos casos, é um superpoder: encontra sempre a palavra certa, a piada mais afiada ou a expressão mais carinhosa. No pior, é um desporto de contacto — ora acerta na aterragem, ora cai de cara no chão.


Mas, ganhe ou perca, há sempre satisfação em saber que cada conversa é uma olimpíada, com uma só regra: continue a falar. Alguém acabará por perceber — ou pelo menos aplaudir o esforço.


6. O Dom e o Fardo


A verdade é esta: viver com mais de uma língua na cabeça é uma espada de dois gumes — maravilha e confusão ao mesmo tempo. Nos dias bons, é como ser camaleão: adaptar o tom, encontrar a palavra certa e encantar em qualquer idioma. Pode sussurrar juras em português, lançar piadas em inglês, ou citar provérbios de Kimbundu que deixam os amigos perplexos.


Você consegue reviver memórias numa língua e partilhá-las noutra. Sabe que piadas funcionam em que cultura. Tem um tesouro secreto de expressões, alcunhas e ditados.


Mas há dias difíceis:

  • Não se lembra de uma palavra básica em nenhum idioma e recorre a gestos e sons.

  • Dá conselhos aos filhos (ou colegas) que só fazem sentido a quem cresceu com bacalhau e mornas.

  • Começa uma história em inglês, percebe a meio que a graça só existe em português — e tem de escolher entre traduzir à força ou desistir a meio.


E nunca falta aquela dúvida dos outros. Uns pensam que você está a armar-se. Outros duvidam: “Será mesmo fluente se está sempre a trocar e a inventar?”


Por cada tropeção, há um salto. Por cada confusão, um momento de conexão pura — quando encontra a frase certa e vê alguém sorrir, ou quando constrói pontes para quem, de outra forma, ficaria de fora.


Ser multilingue é um passaporte não só para lugares mas para a experiência humana. O caminho tem bagagem (às vezes pesada, às vezes perdida na tradução), mas não queria trocar por nada.


7. Conclusão


Um brinde a todos nós que vivemos com uma pista de dança linguística na cabeça — às vezes em harmonia, outras vezes com encontrões. Pausamos a meio da frase, tropeçamos numa palavra ou lançamos um ditado que deixa a sala em silêncio, mas não trocávamos esta vida por nada.


Ser multilingue não é só sobre palavras. É ver o mundo por diferentes lentes, sentir-se em casa em várias culturas e construir pontes entre pessoas que, de outra forma, nunca se entenderiam. É um dom que se faz passar por fardo, mas, no melhor dos casos, enriquece cada conversa, aprofunda cada história e transforma cada mal-entendido em algo digno de riso.


Aos amigos monolingues: obrigado pela paciência, curiosidade e expressões de espanto. Acreditem — metade das vezes, estamos tão baralhados quanto vocês. E aos code-switchers, tropeçadores e acrobatas linguísticos: continuem a dançar. A festa na vossa mente é única — e há sempre espaço para mais uma história, mais uma música, mais uma palavra que não tem tradução… mas que vale sempre a pena partilhar.



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