Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

O Prazer da Língua Portuguesa: Entre Feridas e Heranças
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Este artigo procura olhar para essa herança complexa, entre memórias feridas e heranças luminosas, para compreender como o português, vindo pelo mar e pela espada, se transformou numa casa plural onde cabem vozes, sotaques e ritmos de muitos povos.
1. A Imposição e a Assimilação
A língua portuguesa chegou a Angola e a outros territórios africanos como língua de poder e administração.
Durante séculos, foi associada a exclusão e hierarquia.
O Estatuto do Indígena (abolido em 1961) discriminava quem não dominava o português, negando direitos cívicos.
A assimilação cultural exigia a renúncia às línguas locais e à tradição africana como condição de pertença.
A ferida é inegável: para muitos, falar português significava trair a sua africanidade.
2. A Reinvenção pela Literatura e pela Oralidade
Apesar desse peso, o português foi progressivamente reinventado:
Camões tornou-se símbolo de herança literária, recitado em Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Escritores como Agostinho Neto, Craveirinha, Pepetela ou Luandino Vieira moldaram a língua para exprimir realidades africanas, criando um português mestiço, vivo, carregado de imagens locais.
A oralidade africana deu ao português novos ritmos e cadências — sotaques que hoje são património partilhado.
Assim, a língua deixou de ser apenas marca de imposição e tornou-se veículo de resistência e criação.
3. A Experiência Pessoal e a Assimilação do Inglês
Tal como Sousa Jamba, também eu vivi a assimilação da cultura americana e a dominação do inglês como língua da ciência, da técnica e da vida profissional. O inglês abriu portas, deu-me formação e ferramentas para construir futuro.
Mas o português ficou como raiz e memória — a língua das emoções, das orações, da poesia. É nela que reconheço o legado familiar, da Cela a Lisboa, até Boise.
4. O Milagre da Língua Partilhada
Hoje, o português é falado por mais de 260 milhões de pessoas, com sotaques, variantes e identidades próprias:
Brasileiro, angolano, moçambicano, cabo-verdiano, timorense.
Jornalistas, escritores, oradores e músicos reinventam-no todos os dias.
É esta pluralidade que constitui o verdadeiro milagre: a língua que nos uniu pela dor, agora pode unir-nos pela beleza.
Conclusão
O português é ferida e é cura; é memória e é futuro. Cabe-nos celebrá-lo não como pertença exclusiva de um povo, mas como herança repartida e horizonte comum.
Na minha própria caminhada, procuro honrar essa dualidade — escrevendo em português, refletindo sobre Angola e Portugal, e mantendo viva a memória de quem fomos e de quem podemos ser.
Algumas dessas reflexões partilho em www.elmirochaves.com, espaço onde a língua é não apenas ferramenta de comunicação, mas também ponte de encontro entre culturas.
Soneto Final – À Língua Portuguesa
Veio do mar em fúria e em comando,
trazia a dor das vozes oprimidas,
mas fez-se canto em bocas renascidas,
teceu memórias, mundos reinventando.
Se foi muralha, hoje é rio brando,
leva consigo histórias repartidas,
em cada tom mil pátrias escondidas,
em cada verso um povo se afirmando.
Assim se ergue, diversa e universal,
língua que une ferida e cicatriz,
casa comum, herança sem rival.
Do coração se faz raiz feliz:
do peso antigo nasce um bem vital,
do som imposto nasce a voz que diz






