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Pedra escrita no morro Waku situado na minha terra natal em Angola

20 de out de 2024

3 min de leitura

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O morro Waku sempre foi uma espécie de guardião silencioso, uma presença imponente que observava minha vida desde os meus primeiros passos em Santa Comba. Lá em cima, onde o vento canta canções de um passado longínquo e os olhos se perdem na vastidão do horizonte, repousa uma pedra especial – a pedra escrita, localizada próxima à capela São Cristóvão. Em 2009, revisitei esse lugar carregado de memórias, e lá estava ela, intacta, como um monumento à resistência e à sabedoria dos que viveram antes de nós.


Nessa pedra, estão gravadas palavras que são ao mesmo tempo um enigma e uma lição de vida:

Desce se queres subir,

Sofre se queres gozar,

Chora se queres rir,

Perde se queres ganhar


Olhar para essas palavras, ali gravadas com simplicidade, é sentir o peso de gerações inteiras que aprenderam a navegar as contradições da vida. Essas frases curtas falam do valor da humildade, da entrega e da superação. Recordo-me de quando eu era criança e ouvia dos mais velhos que o morro era um lugar sagrado, um ponto de encontro para meditar sobre nossas escolhas e, talvez, encontrar ali, ao lado da capela São Cristóvão, essa pequena capela que parece proteger e abençoar a pedra, alguma direção para o futuro.


Descendo as encostas íngremes do Waku, senti-me mais próximo do solo que tanto me formou. Era como se, em cada passo para baixo, eu estivesse preparando minha alma para ascender mais uma vez – para atravessar os abismos do mundo e emergir renovado. As palavras da pedra eram uma lembrança de que precisamos abraçar o sofrimento se desejamos realmente conhecer a felicidade. Era necessário descer ao vale da dor para, enfim, apreciar o topo da montanha.


Lembro-me também de olhar para o céu, depois de ler as palavras na pedra. As nuvens passavam devagar, como o tempo que se arrasta nas memórias da infância. Senti uma emoção profunda, como se aquelas palavras fossem um eco das vozes que um dia habitaram minha terra natal. Aqueles que trabalharam arduamente, que choraram suas perdas e ainda assim, encontraram forças para sorrir, para construir algo maior. Essa pedra é um testemunho de que o verdadeiro valor não está nas vitórias fáceis, mas nas derrotas que transformam, nas lágrimas que purificam e nas descidas que nos preparam para novas subidas.


“Perde se queres ganhar”, essas palavras ressoam até hoje em minha mente. Elas me ensinaram a aceitar a perda como parte do processo, como o prelúdio de algo maior. No alto do Waku, ao lado da pedra escrita, eu aprendi que para ganhar verdadeiramente, é preciso aprender a se desapegar, a deixar ir o que não nos serve mais, e a confiar que na simplicidade do recomeço encontraremos o caminho para nossas verdadeiras conquistas.


Deixei o morro com uma sensação de paz, um sentimento de que, apesar de todas as idas e vindas, de todas as vitórias e derrotas, minha alma estava em harmonia com as lições ali deixadas.


Desce, alma forte, ao abismo profundo,

Onde a dor se revela em trevas densas,

No vale onde as sombras são imensas,

E o coração busca alívio no fundo.


Sofre, pois só quem sofre no mundo,

Gozará da alegria em recompensas,

Nas labutas, nas dores tão intensas,

Encontra-se o prazer mais fecundo.


Chora, que as lágrimas são redenção,

Do pranto brota riso verdadeiro,

E a alma limpa renasce em emoção.


Perde, pois na perda há o cruzeiro,

Que guia ao tesouro, à elevação,

Ganha, quem soube perder primeiro.


A pedra continua lá, tal qual um farol para os corações errantes, um lembrete de que o caminho para cima, às vezes, começa com uma descida ao fundo. E é nessa dualidade que reside a beleza e a sabedoria da vida, algo que o morro Waku e sua pedra escrita sempre terão para oferecer aos que os visitam.



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