top of page

Santa Comba: Memórias de Uma Terra Perdida, Mas Nunca Esquecida

6 de out de 2024

3 min de leitura

2

1

0

No início de agosto de 1975, Santa Comba, Cela, deixou de ser apenas uma cidade pequena, cercada por montanhas e pastos verdes, para se tornar um marco inesquecível nas vidas de todos nós que ali vivemos. Era um tempo de incerteza. A Guerra Fria e a luta pela independência de Angola nos empurravam para longe, forçando-nos a deixar para trás não só os bens materiais, mas também o modo de vida que tanto valorizávamos. No entanto, Santa Comba nunca nos deixou; ela vive em nós até hoje, nas memórias e nas lições que nos formaram.


Lembro-me claramente daquele último dia, 6 de agosto de 1975, como se fosse ontem. O céu de Cela, de um azul profundo, contrastava com o peso que sentíamos no coração. O ar estava carregado de presságios e despedidas silenciosas. Sabíamos que nossa terra natal, com suas ruas de terra batida e árvores imponentes, seria transformada para sempre. Porém, a esperança de um retorno — mesmo que simbólico — permaneceu viva.


Minha infância em Santa Comba foi marcada por simplicidade e trabalho árduo. A loja do meu pai era o ponto de encontro para a comunidade. Ele e minha mãe, com sua habilidade de costureira, construíram uma vida para nossa família no coração da Angola, cercados por vizinhos de todas as cores e credos. A loja, abastecida com mercadorias que iam de bicicletas a tecidos coloridos, era o ponto central da nossa comunidade, onde os sonhos de um futuro melhor tomavam forma.


Trabalhávamos todos os dias na loja, aprendendo o valor do esforço e da dedicação. Aos domingos, depois de uma semana cheia, eu recebia alguns escudos para assistir ao matinee. Lembro-me de me juntar aos meus amigos no clube, ansioso para ver os filmes projetados pelo meu querido amigo Arnaldo Almeida. Era um tempo de inocência, quando nossas preocupações ainda não eram os conflitos e as batalhas políticas, mas sim as aventuras nas telas do cinema.


Com o passar dos dias, a tensão política se intensificava. O mundo ao nosso redor mudava rapidamente, e nós, como tantos outros, fomos apanhados no turbilhão dos eventos que marcaram a independência de Angola. Nossa casa, nossa loja, nossos amigos de todas as cores, tudo isso desmoronava diante de nós. A Guerra Fria, com suas dinâmicas implacáveis, atravessou nossas vidas, impondo-nos uma escolha cruel: partir ou arriscar perder tudo.


No entanto, a verdadeira perda não estava nos bens materiais, mas na separação do que significava “lar”. Santa Comba sempre foi mais do que um lugar; era um sentimento, uma identidade, uma comunidade unida pela diversidade e pelo respeito mútuo. Cada pedaço daquela terra nos formou, e ao partir, levamos conosco a essência de tudo o que ela nos ensinou.


Quando embarcamos no avião rumo a Portugal, naquele agosto de 1975, sabíamos que não seria apenas uma viagem física. Estávamos deixando para trás a nossa infância, as nossas raízes, e entrando em um novo capítulo de nossas vidas, marcado pela saudade e pela constante busca de pertença.


Mas Santa Comba, Cela, nunca saiu de nós. Ela vive em cada história contada, em cada memória partilhada, e em cada sonho que ainda mantemos de um dia poder caminhar novamente por aquelas estradas de terra, sob o céu azul e infinito de Angola. Porque a terra pode nos ser tirada, mas as memórias que carregamos — essas são eternas.

E assim, enquanto o tempo avança, Santa Comba continua sendo um farol que ilumina as nossas vidas, lembrando-nos de quem somos, de onde viemos e do que realmente importa: as pessoas, os valores e as histórias que nunca desaparecerão, independentemente das fronteiras que nos separem.


Este artigo é uma homenagem à Santa Comba, Cela, que permanece viva na memória e no coração daqueles que, como eu, foram forçados a partir, mas jamais a esquecer.





Posts Relacionados

Comentários

Compartilhe sua opiniãoSeja o primeiro a escrever um comentário.
bottom of page