Explorando a Rica Cultura de Angola e Portugal

Angola: Meio Século de Independência – Entre a Promessa e o Desencanto
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Introdução
O presente artigo propõe uma análise profunda e honesta das mensagens impactantes de Angelo Kapwatcha sobre o verdadeiro balanço dos cinquenta anos de independência de Angola. Com base em dezenas de citações e reflexões partilhadas por Kapwatcha, cruzo essas palavras com a minha própria vivência e visão — a de quem assistiu de perto à esperança inicial, ao desencanto progressivo e à realidade contemporânea do nosso país.
“Fazem festas, desfilam, falam de liberdade… mas qual liberdade? Cinquenta anos de miséria é o que temos. Digam-me: é isto que chamam independência?” “Já chega de discursos bonitos! O povo está cansado de esperar. Ninguém vive só de esperança.” — Angelo Kapwatcha
As suas palavras, amplamente partilhadas nas redes sociais, são um espelho do sentimento de milhões de angolanos que se questionam: que liberdade é esta, se a maioria continua presa à pobreza, ao desemprego e à falta de dignidade? Entre o testemunho da juventude crítica e a minha própria memória histórica, tento aqui analisar, comparar e desafiar as interpretações oficiais — sempre em busca de verdade, justiça e renovação nacional.
O Sonho da Independência
“Diziam que depois do branco, viria a justiça. Que depois do chicote, viria a liberdade.” “Os nossos pais lutaram, morreram nas matas, porque acreditavam que era possível mudar.” “Eu cresci a ouvir histórias de coragem, de resistência, de esperança. Cresci a acreditar que a Angola dos meus avós seria melhor para mim.” “A independência era a luz ao fundo do túnel. Agora, só vejo a mesma escuridão.” “No dia em que Angola nasceu livre, nasceu também um novo sonho. Um sonho que foi roubado.” “Os livros falavam em futuro brilhante. Mas nunca disseram que o brilho era só para poucos.” “O meu avô chorou ao ver a bandeira subir. Eu choro ao ver como essa bandeira não cobre todos.”
A independência de Angola foi muito mais do que a proclamação do fim da dominação colonial portuguesa. Para o povo angolano, tratou-se de uma verdadeira revolução existencial. Durante séculos, a identidade e o destino do angolano foram marcados por cicatrizes profundas de escravidão, opressão e exclusão. O colonialismo não era apenas uma força política e militar — era um sistema que negava à maioria o direito à dignidade, à educação, à terra, à esperança.
Quando finalmente, em 1975, se ouviu o eco da palavra “liberdade” nas ruas, nas aldeias e nos campos, a emoção era quase palpável. As famílias reuniam-se em torno do rádio, escutando os discursos dos novos líderes com o coração apertado e lágrimas nos olhos. Em cada canto do país, sonhava-se alto: justiça, igualdade, pertença. Era a promessa de um amanhã digno — para todos.
“Diziam: ‘agora é a nossa vez, agora sim vamos ser tratados como gente’. Cada mãe, cada pai, sentiu que os sacrifícios dos anos de luta tinham valido a pena.”
A geração dos pais de Kapwatcha foi marcada pelo sacrifício. Muitos tombaram nas matas, outros viveram com o medo da perseguição, mas todos — independentemente da origem — acreditaram que a libertação traria uma nova era. Era o tempo do orgulho nacional, de caminhar “de cabeça erguida”, de acreditar, finalmente, que o país pertencia ao povo. A bandeira nova, erguida entre lágrimas e cantos de vitória, representava não só a soberania, mas também o direito ao sonho coletivo. Como disse Kapwatcha:
“O meu avô chorou ao ver a bandeira subir. Eu choro ao ver como essa bandeira não cobre todos.”
Os livros escolares celebravam heróis e mártires; os discursos falavam de um futuro de progresso e unidade. A juventude aprendeu que tudo era possível — que, libertos das grilhetas, poderiam finalmente construir, inovar, criar. A esperança tornou-se um património comum, uma herança moral passada de geração em geração.
No entanto, o tempo revelou-se implacável. Aquela luz ao fundo do túnel, símbolo de redenção, foi-se apagando com o passar dos anos. A guerra civil, que logo se seguiu à independência, despedaçou famílias, espalhou sofrimento e interrompeu o ciclo de esperança. As promessas do pós-independência — pão, casas, paz — foram sendo substituídas por realidades cada vez mais duras.
“Prometeram pão, deram migalhas. Prometeram casas, deram barracas. Prometeram paz, trouxeram outra guerra.”“Na escola, falavam de heróis e mártires. Hoje, falo de sobreviventes.”
Para muitos, o sonho roubado tornou-se ferida aberta. Kapwatcha faz eco dessa dor:
“A independência era a luz ao fundo do túnel. Agora, só vejo a mesma escuridão.”
Assim se instalou, entre o sonho e a realidade, um abismo doloroso. A promessa de pertença transformou-se numa exclusão subtil; a dignidade prometida, numa luta diária por sobrevivência. Resta, porém, a memória do que foi sonhado — e a força de quem insiste em não esquecer que Angola foi, um dia, promessa de futuro para todos.
A Realidade Pós-Independência
No entanto, como tantas vezes acontece nas histórias das grandes nações, a exaltação inicial depressa cedeu lugar ao teste impiedoso do tempo. O povo angolano, que acreditara estar a conquistar o direito ao futuro, viu-se rapidamente submerso em desafios inesperados e numa sucessão de crises que desmentiram, na prática, a esperança dos dias da libertação. Entre o ideal e o real, formou-se um hiato doloroso — e, em vez de dignidade universal, instalou-se uma nova luta diária pela sobrevivência.
À medida que as décadas passaram, a promessa coletiva da independência foi sendo desfeita por guerras internas, lideranças descomprometidas e um sistema político-económico que, em vez de emancipar, voltou a concentrar privilégios em poucas mãos. O sonho comum foi-se tornando, para muitos, apenas uma lembrança amarga, enquanto o fosso entre ricos e pobres se alargava cada vez mais.
É nesse cenário de desencanto e de desigualdade extrema que ecoam as palavras duras, mas verdadeiras, de Angelo Kapwatcha:
“Vão ao bairro, vejam com os próprios olhos. Não há água, não há luz, não há estrada. Só promessa.” “O dinheiro do petróleo? Sumiu. O ouro? Sumiu. Só ficou a miséria.” “O país está rico, mas o povo está pobre. Que matemática é esta?” “Eles vivem em mansões, nós vivemos com ratos. Eles vão a clínicas, nós morremos nas filas do hospital.” “Trabalhar uma vida inteira para quê? Para morrer sem nada?” “Falam de progresso, mas em casa só temos progresso de dívidas.” “O filho do político anda de jipe, o filho do povo anda descalço.” “Em cinquenta anos, não conseguimos água canalizada para todos. Chamam isto desenvolvimento?” “Só mudaram os donos do chicote. O povo continua a ser escravo.” — Angelo Kapwatcha
Se a independência de Angola representou um despertar coletivo para a esperança, a realidade das décadas seguintes trouxe o confronto brutal com o desencanto. Terminada a guerra colonial, o país mergulhou numa guerra civil feroz, prolongada por quase três décadas, deixando cicatrizes profundas na paisagem, na sociedade e no coração dos angolanos. Milhares perderam tudo: casa, família, sentido de pertença. As cidades cresceram à pressa, absorvendo multidões desalojadas pelo conflito; os bairros periféricos, os “musseques”, tornaram-se o rosto do novo país.
A promessa de reconstrução cedeu rapidamente ao pragmatismo do sobrevivente.
“Prometeram desenvolvimento. O que vejo é só desenvolvimento para alguns”, diz Kapwatcha.
Apesar do crescimento económico registado após 2002 — Angola foi um dos países que mais cresceu em África entre 2002 e 2015, graças ao petróleo — o Índice de Gini mantém-se acima dos 50 pontos (Banco Mundial, 2023), sinal de desigualdade profunda e persistente.
Mais de metade da população angolana (51%) vive abaixo da linha de pobreza internacional, sobrevivendo com menos de $2,15 por dia (Banco Mundial, 2022).
O crescimento económico recente não se refletiu na vida da maioria: enquanto Luanda ostenta arranha-céus e automóveis de luxo, a periferia urbana e o interior continuam mergulhados em carências básicas.
Segundo o UNICEF (2022), menos de 50% das famílias angolanas têm acesso seguro e regular a água potável. Em zonas rurais, a situação é ainda mais crítica.
A cobertura do saneamento básico é inferior a 36% nas áreas urbanas e a menos de 20% nas zonas rurais (PNUD, 2023).
A esperança média de vida em Angola é de 61 anos (Banco Mundial, 2023), abaixo da média africana.
As taxas de alfabetização estão nos 66% para adultos, com disparidades acentuadas entre o meio urbano e o rural (UNESCO, 2022).
“O dinheiro do petróleo? Sumiu. O ouro? Sumiu. Só ficou a miséria.”
Apesar de progressos no acesso ao ensino primário, as escolas públicas continuam sobrelotadas e sem materiais essenciais.Um inquérito do PNUD (2023) mostra que cerca de 30% das crianças angolanas entre 6 e 14 anos estão fora da escola em zonas rurais.
“Os filhos dos dirigentes estudam fora. O filho do povo vende pão na rua.”
Na saúde, as estatísticas são igualmente dramáticas:
Angola tem uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo (63 mortes por cada 1000 nascimentos vivos — UNICEF, 2022).
As doenças evitáveis, como a malária e a diarreia, continuam a ser as principais causas de morte infantil.
As filas nos hospitais públicos chegam a durar mais de um dia, enquanto clínicas privadas de excelência atendem apenas uma minoria.
“Eles vão a clínicas, nós morremos nas filas do hospital.” “Só quem não passa fome pode falar de paciência.”
O Relatório de Transparência Internacional (2023) coloca Angola entre os países mais corruptos do mundo, com escândalos de desvio de fundos públicos frequentemente noticiados. Segundo a Economist Intelligence Unit, a elite político-económica angolana continua altamente restrita e hereditária — só quem tem ligações ao poder político consegue ascender socialmente.
“O filho do político anda de jipe, o filho do povo anda descalço.” “Só mudaram os donos do chicote. O povo continua a ser escravo.”
As vozes do povo confirmam o que os números denunciam:
“A independência só existe para quem tem família no governo.” — Jovem entrevistado pela DW África, 2023
“O nosso futuro está à venda, quem tem dinheiro manda.” — Testemunho recolhido pelo Novo Jornal, 2022
“Eu nunca vi tanta riqueza junta e, ao mesmo tempo, tanta pobreza.” — Enfermeira em Luanda, reportagem da BBC, 2022
A corrupção, o clientelismo e a ostentação de riqueza de uma minoria contrastam com a penúria das maiorias. Entre as famílias, cresce o desânimo:
“Trabalhar uma vida inteira para quê? Para morrer sem nada?”
No fundo, o sentimento generalizado é de traição à promessa fundadora. Os sacrifícios dos heróis da independência, as lágrimas dos avós ao verem subir a bandeira, parecem cada vez mais distantes, quase irreais, perante a dureza do quotidiano.
A frase de Kapwatcha ecoa como sentença:
“Vão ao bairro, vejam com os próprios olhos. Não há água, não há luz, não há estrada. Só promessa.”
A independência tornou-se, para muitos, sinónimo de uma liberdade abstrata, desconectada do bem-estar real. O futuro parece hipotecado, e a esperança, embora teime em resistir, é cada vez mais uma luta de poucos.
A Voz do Desencanto
O desenrolar dos anos pós-independência não trouxe o tão esperado florescimento da justiça, igualdade e progresso. Em vez disso, muitos angolanos foram despertando, pouco a pouco, para a dura perceção de que, apesar da mudança de bandeira e de governo, as estruturas profundas da desigualdade e da exclusão pouco mudaram.Entre o silêncio imposto pelo medo e o desabafo corajoso dos que se recusam a calar, a voz de Angelo Kapwatcha ecoa como símbolo de uma geração que perdeu a ilusão — mas não o direito de exigir um futuro melhor.
“Chega de fingir. Chega de fingir que está tudo bem, que vamos no bom caminho.” “Não se trata de política, trata-se de humanidade. O povo perdeu o medo, mas ainda não perdeu a esperança.” “Ser ingrato é ver tudo isto e calar. Ser ingrato é trair quem morreu por este país.” “Falam de unidade, mas dividem-nos todos os dias. Uns têm tudo, outros têm nada.” “Independência sem justiça é só troca de patrão.” “Já não tenho medo de dizer: esta independência foi para alguns, não para todos.” “Os nossos líderes deviam ter vergonha. Vergonha de passear em carros de luxo quando há crianças a morrer de fome.” “Eu não tenho partido. O meu partido é Angola, é o povo.” “Quem me chama ingrato, não conhece a minha dor.” — Angelo Kapwatcha
Nas redes sociais, nas praças, nas universidades e até nos transportes públicos, cresce o número de jovens e adultos que partilham deste desencanto. Segundo um estudo do Afrobarómetro (2023), 67% dos angolanos consideram que a corrupção aumentou nos últimos anos e 61% não confiam no sistema judicial para resolver injustiças.Esta descrença vai além das estatísticas: é sentida no quotidiano, nas filas intermináveis dos hospitais públicos, na ausência de oportunidades para a juventude, nos salários estagnados e nos preços sempre a subir.
“Há quem diga que o país melhorou. Melhorou para quem? Para os que nasceram com o futuro comprado?” “Ficamos calados tempo demais. Agora, queremos ser ouvidos, não silenciados.” — Angelo Kapwatcha
O desabafo de Kapwatcha não é único — é parte de um movimento que desafia abertamente a narrativa oficial do progresso.Reportagens recentes no Novo Jornal e na DW África mostram jovens a desafiar publicamente os líderes, exigindo reformas e responsabilização. Muitos destes jovens vivem na pele o paradoxo: filhos da independência, mas órfãos das suas promessas.
Outros testemunhos reforçam este clima de cansaço e revolta:
“Dizem para termos paciência. Mas como pedir paciência a quem só conhece fila, fome e frustração?” — Estudante universitário, entrevista ao Jornal de Angola, 2023
“Parece que só quem critica é que ama de verdade este país. Quem finge não vê, não sente Angola.”— Professora do ensino secundário, reportagem da BBC, 2022
O medo de falar em público sobre a situação do país diminuiu, sobretudo entre as gerações mais novas, que encontram nas redes sociais um espaço de denúncia e solidariedade. Esta coragem de dizer a verdade é, muitas vezes, o último refúgio da esperança.
“Não é rebeldia, é cansaço. Não é ingratidão, é dignidade.” — Jovem em protesto na Marginal de Luanda, reportagem da Voz da América, 2023
Kapwatcha e tantos outros são filhos de uma Angola que não aceita mais migalhas. A sua voz é incómoda para o poder, mas libertadora para os que durante demasiado tempo foram obrigados a engolir o sofrimento em silêncio.
No entanto, como refere Kapwatcha, o desencanto não precisa ser resignação.O simples facto de reclamar justiça, dignidade e verdade é, em si, um ato de resistência:
“O silêncio é cumplicidade. Só quem fala acredita que pode ser diferente.” “Enquanto houver quem fale, Angola não está perdida.”
Assim, a voz do desencanto é também — e sobretudo — o eco de quem acredita que, mesmo depois de meio século de independência, Angola pode e deve cumprir finalmente a promessa feita ao seu povo.
Reflexão Histórica e Comparação Regional
O desencanto angolano não é uma ilha — é, antes, um espelho da trajetória de muitos países africanos pós-coloniais, onde as promessas revolucionárias foram tragicamente adiadas, traídas ou capturadas por novas elites. O que se verifica em Angola, tantas vezes relatado por Kapwatcha, ecoa de forma inquietante em Maputo, Bissau, Kinshasa, Harare e em tantas outras capitais do continente.
“Angola não está sozinha nisto. Em Moçambique, em Guiné, em tantos países, a história é igual.” “A independência era para libertar, não para prender mais ainda.” “Mudaram as bandeiras, ficaram as mesmas correntes. Só mudaram de cor.” “O continente todo está cheio de jovens sem futuro, porque o passado ainda manda.” “As colónias caíram, mas nasceram novas colónias — desta vez, de irmãos contra irmãos.” “A África que sonhámos não é esta. A África que temos precisa de coragem, não de discursos.” “Quantos mais anos vamos esperar para viver com dignidade?” “Enquanto formos reféns dos próprios governantes, seremos sempre colonizados.”— Angelo Kapwatcha
O ciclo da esperança e da frustração
De Dacar a Maputo, a geração da independência herdou países saqueados e divididos, mas também acreditou no poder de uma mudança verdadeira.No entanto, como revelam relatórios do Banco Africano de Desenvolvimento e do PNUD, mais de 400 milhões de africanos ainda vivem abaixo da linha de pobreza internacional (PNUD África, 2023). As conquistas políticas nem sempre se traduziram em bem-estar social. Em muitos casos, elites autóctones apropriaram-se do poder e perpetuaram práticas herdadas do colonialismo: exclusão, centralização, clientelismo e impunidade.
Segundo a Transparency International (2023), Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e RDCongo estão entre os países com maior índice de corrupção em África.Nos indicadores de mobilidade social, o padrão repete-se: as probabilidades de um jovem africano sair da pobreza são ainda hoje determinadas pela família onde nasce, e não pelo talento ou esforço.
“A independência só mudou o sotaque do patrão.” — Jovem guineense, entrevista à DW África, 2022
Em países como Moçambique ou Zimbabué, também se ouvem frases como:
“O país é livre, mas o povo continua preso à fome.” — Jovem moçambicano, reportagem do Jornal Savana, 2023
Em Angola, a combinação de riqueza natural e desigualdade extrema tornou-se emblemática de um paradoxo africano: “ricos em recursos, pobres em direitos e oportunidades”.
Uma juventude à deriva, um continente em busca de voz
Mais de 60% dos africanos têm menos de 25 anos (Banco Mundial, 2023).É uma juventude cada vez mais informada, conectada digitalmente, menos tolerante à injustiça e mais exigente com os líderes. De Lagos a Luanda, de Maputo a Dakar, as redes sociais tornaram-se trincheira de denúncia e sonho.O sentimento de frustração — tantas vezes vocalizado por Kapwatcha — é acompanhado de um desejo renovado de cidadania ativa e participação.
“O nosso problema não foi só Portugal. O nosso problema agora é o medo dos nossos próprios líderes.” — Estudante universitário, Luanda, 2023
O desafio: descolonizar o presente
Para muitos pensadores africanos, como Achille Mbembe ou Felwine Sarr, o verdadeiro desafio da África do século XXI não é apenas recordar a opressão colonial, mas romper de vez com as novas formas de dependência interna.É por isso que as vozes do desencanto são, em si, vozes de esperança.Como conclui Kapwatcha:
“Enquanto formos reféns dos próprios governantes, seremos sempre colonizados. Mas enquanto houver quem sonhe, África não está perdida.”
Assim, a história de Angola — e de muitos dos seus irmãos africanos — permanece aberta. Entre o peso do passado e a urgência de um futuro por cumprir, cresce a convicção de que só com verdade, coragem e mobilização se pode transformar a desilusão coletiva numa segunda independência: a da justiça social e da dignidade para todos.
O Futuro em Construção: Vozes da Mudança
Apesar do peso esmagador do desencanto, há sinais claros de que Angola — e a própria África — não estão condenadas à repetição eterna do passado.Da dor nasce a consciência; do desencanto, a mobilização. É neste clima de transformação social, alimentado pela coragem e pela urgência, que surge uma nova geração disposta a desafiar tabus, romper silêncios e resgatar a promessa adiada da independência.
“Eu acredito na juventude, porque a juventude já não tem medo. Não aceita migalhas.” “Temos redes sociais, temos voz, não vamos calar mais.” “O futuro não vai chegar se ficarmos sentados à espera. É preciso lutar, exigir, mudar.” “Cada jovem que fala é uma semente de mudança.” “Podem nos chamar de sonhadores, mas sonhar é resistir.” “Não é utopia querer um país onde todos possam viver com dignidade.” “As gerações antigas deram tudo. Agora, cabe a nós não desperdiçar esse sacrifício.” “A Angola que quero não é só para mim, é para todos. A Angola dos poucos não me serve.” “Chegou a hora de reescrever a história. Não podemos deixar que o medo vença outra vez.” — Angelo Kapwatcha
Juventude informada, juventude ativa
Mais de metade da população angolana tem menos de 24 anos (INE Angola, 2023).Esta juventude cresce num mundo global, vê exemplos de outros países, conhece os seus direitos e exige participar.Prova disso são as mobilizações recentes nas redes sociais, os protestos pacíficos na Marginal de Luanda, os movimentos cívicos como o “Mudei” e o “Projeto Agir”, as campanhas por mais transparência eleitoral, ou os debates digitais que ganham cada vez mais seguidores.
“Somos a geração das perguntas. Não nos calamos porque sabemos que merecemos respostas.” — Jovem ativista, entrevista à Rede Angola, 2023
O cansaço transforma-se em criatividade: jovens produzem podcasts, escrevem blogs, fundam ONGs, organizam debates comunitários e pressionam as autoridades, tanto a nível local como nacional.Não aceitam mais o papel de espectadores da história — querem ser protagonistas.
“A nossa maior arma é a verdade. E não há censura que cale um povo inteiro.” — Angelo Kapwatcha
A força da solidariedade e do novo sentido de cidadania
A pandemia de COVID-19 acelerou a solidariedade entre jovens, que organizaram redes de apoio, distribuíram máscaras, fizeram campanhas contra a fome e a exclusão. No ensino superior, surgem associações de estudantes independentes, defensores dos direitos das raparigas, grupos de jovens ambientalistas e defensores do acesso universal à tecnologia.
O exemplo não é só urbano: em todo o país, multiplicam-se projetos de educação comunitária, agricultura sustentável e cooperativas de microcrédito, quase sempre liderados por jovens.
“Mudança começa na cabeça e no coração. Primeiro falamos, depois fazemos.” — Jovem de Benguela, projeto Educadores para o Futuro, 2023
Não há futuro sem memória — mas também não há futuro sem coragem
O maior desafio da nova geração é reconciliar o passado com o presente, homenagear os que lutaram, mas romper com as práticas que traíram a esperança da independência.A juventude angolana, ao dizer basta ao medo e à resignação, honra o verdadeiro legado dos que sonharam com uma Angola para todos.
“A juventude é a pátria em construção. Se não formos nós, não será ninguém.” — Estudante universitário, Luanda, 2024
Apesar das ameaças, repressão e dificuldades, há uma certeza crescente:
“Enquanto houver quem fale, Angola não está perdida.” — Angelo Kapwatcha
Assim, entre o desencanto e o sonho, ergue-se uma nova Angola. Uma Angola que não aceita menos do que justiça, dignidade e futuro para todos. Uma Angola de vozes — e não de silêncios.
Do Sonho ao Desencanto: O Meu Testemunho
Nasci e cresci numa Angola em convulsão, filho de uma geração que carregou nos ombros o peso da esperança e da guerra. Vi, com olhos de menino e depois de jovem, o entusiasmo contagiante dos dias da independência — o som das ruas cheias, o orgulho dos que finalmente sentiam que a sua terra lhes pertencia, as lágrimas dos mais velhos ao verem a bandeira nacional subir ao céu, anunciando o fim da humilhação colonial.
Recordo a minha família reunida em volta do rádio, a escutar discursos de líderes que prometiam dignidade, pão, educação e justiça para todos. O brilho nos olhos dos meus pais e avós era o reflexo de um sonho secular, tantas vezes adiado.
Cresci embalado por histórias de coragem: o sacrifício dos que tombaram nas matas, a resistência dos que ousaram desafiar a opressão, a fé inabalável no direito a uma vida melhor. Como tantos, acreditei que a independência traria não apenas a liberdade política, mas a emancipação humana.
No entanto, a vida ensinou-me cedo que o tempo não cumpre promessas só porque se grita “liberdade”. Vi o sonho colectivo a transformar-se em desencanto: as famílias separadas pela guerra civil, os bairros improvisados para quem fugia da violência, o aparecimento de uma nova elite a substituir a antiga — e, para a maioria, a continuação do sofrimento, agora sob outros nomes.
Fui testemunha do alargamento do fosso entre quem tem e quem nada tem. Da ascensão de uma minoria poderosa que acumulou riquezas enquanto o povo permanecia na periferia do desenvolvimento. Oiço ainda hoje, como um eco amargo, as mesmas promessas repetidas década após década.
Ao longo da minha vida — em Angola, em Portugal, nos Estados Unidos — nunca deixei de sentir Angola dentro de mim. Vi, em cada país, jovens a lutar por um futuro mais justo, mas também vi como a ausência de verdade e coragem nos condena à estagnação. Por isso, reconheço em Angelo Kapwatcha a voz de quem já não aceita migalhas: a indignação que ele expressa é legítima, honesta e necessária.
O silêncio nunca construiu pátria; a verdade, mesmo quando dói, pode ser o início da mudança.
Por isso escrevo. Porque acredito que só resgatando a memória dos que vieram antes, e só escutando os gritos de quem sofre agora, Angola poderá finalmente cumprir a promessa de ser pátria para todos.Que ninguém tenha medo de falar. Que ninguém aceite menos do que dignidade. Que cada angolano possa um dia sentir-se coberto — de verdade — pela bandeira que há cinquenta anos subiu aos céus como símbolo de esperança.
Conclusão
Meio século passou desde que vi — com olhos de menino e depois de jovem — a esperança rasgar a noite longa do colonialismo, ao som dos hinos da independência. Fui testemunha da alegria e do orgulho dos meus avós e dos meus pais, que acreditaram que, finalmente, a nossa terra seria de todos. Partilhei o sonho de um país justo, vibrante e livre, onde ninguém ficaria para trás. E, como tantos, vi também esse sonho tornar-se, para muitos, um eco distante, submerso nas águas amargas do desencanto e da sobrevivência.
A vida levou-me de Angola a Portugal e, depois, aos Estados Unidos, mas nunca levei Angola para fora de mim. Trago no peito a memória dos que resistiram, dos que sonharam e dos que ainda hoje acreditam. Vi de perto o que é perder tudo e recomeçar. Aprendi, no exílio e no regresso, que a dignidade não se compra nem se herda: conquista-se, defende-se, exige-se. É por isso que sinto, nas palavras de Angelo Kapwatcha, uma verdade impossível de calar: a pátria não se constrói com silêncios, mas com a coragem de dizer aquilo que dói, porque só assim se pode mudar o que está errado.
Aos jovens angolanos que hoje levantam a voz, deixo esta mensagem:Não aceitem menos do que dignidade. Não permitam que vos digam que “é assim mesmo”.Lutem pela escola, pela saúde, pela justiça, pelo respeito ao próximo, pela liberdade de sonhar. Usem a vossa criatividade, a vossa solidariedade e o vosso inconformismo como armas de transformação. Não deixem que a esperança morra outra vez — não calem, não desistam, não se vendam ao medo.
A pátria — esta Angola de que tanto falamos, por vezes com dor, mas sempre com amor — precisa de cada voz, de cada gesto de coragem. Não há futuro sem memória, mas também não há futuro sem coragem de romper com as correntes do passado.
Faço das palavras de Kapwatcha as minhas:
“O silêncio nunca mudou nada. Sonho com o dia em que ninguém tenha vergonha de ser angolano. Sei que a verdade custa, mas é a única coisa que pode salvar Angola.”
Que a nossa geração — e a vossa — faça da verdade uma bandeira, do inconformismo uma ponte, e da justiça o destino final de Angola. Não desistamos de lutar. O futuro está — ainda — nas nossas mãos.
Fontes / Referências
Banco Mundial. Angola Data
UNICEF Angola, Situação da Criança (2022)
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Relatório sobre Desenvolvimento Humano (2023)
Instituto Nacional de Estatística de Angola (INE), Censos e Indicadores
UNESCO, Angola Education Profile (2022)
Transparency International, Corruption Perceptions Index (2023)
Economist Intelligence Unit, Country Report: Angola (2023)
DW África, Jovens e futuro em Angola (2023)
Novo Jornal, Reportagens sobre juventude e desigualdade social (2022-2023)
BBC Africa, Angola's Lost Promise (2022)
Afrobarómetro, Survey Angola (2023)
Jornal de Angola, Entrevistas e Reportagens
Voz da América, Testemunhos de jovens angolanos (2023)
Achille Mbembe, “Crítica da Razão Negra” (2014)
Felwine Sarr, “Afrotopia” (2016)
Link do video de Angelo Kapwatcha: https://www.tiktok.com/@kawendimba5/video/7436480703916756279?fbclid=IwY2xjawLU0VJleHRuA2FlbQIxMABicmlkETFENkFQWWNwc1BwNFFVNlAzAR5sh1g9mzW6gx4j4QNQ9clxjmwpfU9-p1qMpagYuFtpyRMpHBfb1WCFLX_6Fg_aem_VrkkUVZWu-LEo53eVEanHw
P.S.: Agradeço profundamente a cada leitor que chegou até aqui — com mente aberta, espírito crítico e coração disponível para ouvir e refletir. Esta reflexão só faz sentido se for partilhada, debatida e continuada. Sinta-se à vontade para comentar, criticar, acrescentar ou discordar. É no diálogo, na escuta mútua e na coragem de aprender uns com os outros que se constrói uma Angola verdadeiramente livre.
Um abraço fraterno,
João Elmiro da Rocha Chaves

Dado o interesse pessoal do documento solicito autorização para a sua partilha pessoal ou pública,. conforme entender......abraço e parabéns.....um angolano do coração copmo militar e como civil.....