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A História dos Diamantes de Sangue em Angola: Exploração e Consequências

14 de out de 2024

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A história dos diamantes de sangue em Angola é um dos capítulos mais trágicos e complexos da exploração de recursos naturais em tempos contemporâneos. Angola, um país abençoado com abundância de recursos, tem estado no centro da produção global de diamantes. Contudo, a exploração dessas pedras preciosas, particularmente em períodos de conflito, deixou uma marca indelével no seu povo, na sua sociedade e na sua estrutura política. Este artigo explora a história, os mecanismos de exploração e as consequências a longo prazo da indústria dos diamantes de sangue em Angola, lançando luz sobre o lado obscuro do comércio global de diamantes.


1. Contexto Histórico: As Raízes dos Diamantes de Conflito em Angola

O percurso de Angola, desde a sua independência de Portugal em 1975, foi repleto de turbulência. O fim do domínio colonial desencadeou uma luta pelo poder entre vários movimentos de libertação: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). O que começou como uma luta pela independência rapidamente se transformou numa guerra civil que duraria décadas, exacerbada pela Guerra Fria, com o MPLA apoiado pela União Soviética e Cuba, e a UNITA recebendo apoio dos Estados Unidos e da África do Sul.


Os diamantes tornaram-se rapidamente uma fonte essencial de financiamento para ambos os lados. O termo “diamantes de sangue” (ou “diamantes de conflito”) refere-se às gemas extraídas em zonas de guerra e vendidas para financiar conflitos armados, frequentemente levando a graves violações dos direitos humanos. Em Angola, esses diamantes financiaram a violência e prolongaram a guerra civil. Na década de 1990, a UNITA controlava grandes áreas ricas em diamantes, utilizando as receitas para adquirir armas e manter a sua campanha militar contra o governo do MPLA.


O conflito chamou a atenção internacional, resultando na imposição de sanções pelas Nações Unidas. Em 1998, a Resolução 1173 do Conselho de Segurança da ONU impôs um embargo à compra de diamantes angolanos que não fossem certificados pelo governo angolano. No entanto, o comércio ilegal de diamantes continuou a prosperar através de canais do mercado negro, perpetuando o conflito.


2. Os Mecanismos de Exploração: Das Minas aos Mercados

No centro do comércio de diamantes de sangue em Angola está uma rede de operações de mineração informal e, muitas vezes, ilegal. A maioria dos diamantes angolanos encontra-se nas províncias do nordeste, especialmente nas Lunda Norte e Lunda Sul. Estas regiões ricas em depósitos aluviais tornaram-se foco de grupos rebeldes e empresas de segurança, em colaboração com oficiais corruptos do governo.

Fases de Exploração:

  • Mineração: Os diamantes são frequentemente extraídos através da mineração artesanal, onde mineiros em pequena escala, conhecidos como garimpeiros, utilizam ferramentas básicas e trabalho manual em condições perigosas e por compensação mínima.

  • Segurança e Controlo: Durante a guerra civil, as forças rebeldes controlavam vastas zonas de produção de diamantes. Após a guerra, empresas de segurança privadas foram contratadas para assegurar essas regiões, muitas vezes com relatos de abusos dos direitos humanos.

  • Contrabando e Vendas: Os diamantes extraídos frequentemente evitam os canais oficiais, entrando no mercado global através de rotas ilegais. Contrabandistas movem as pedras para países vizinhos, onde entram na cadeia de abastecimento internacional.


3. Violações dos Direitos Humanos: O Preço dos Diamantes

O custo humano do comércio de diamantes de sangue é inegável. Durante a guerra civil e após o seu término, relatos de violações dos direitos humanos foram abundantes:

  • Trabalho Forçado: Mineiros artesanais são frequentemente forçados a trabalhar em condições deploráveis.

  • Violência e Tortura: A violência extrema, incluindo tortura e execuções sumárias, era usada para controlar as zonas de mineração.

  • Deslocamento Forçado: Milhares de pessoas foram deslocadas de suas casas em áreas ricas em diamantes, agravando crises humanitárias.


4. O Processo de Kimberley: Uma Resposta Global

Em resposta ao clamor global sobre os diamantes de sangue, o Processo de Kimberley foi criado em 2003. Esta iniciativa conjunta entre governos, sociedade civil e a indústria de diamantes visava impedir que diamantes de conflito entrassem no mercado global.

Embora Angola tenha aderido ao Processo de Kimberley, a mineração ilegal e as violações dos direitos humanos persistem, sugerindo que as causas profundas da exploração ainda não foram resolvidas.


5. Consequências Modernas: Impacto Económico e Social

Apesar de ser um dos maiores produtores de diamantes do mundo, Angola continua entre os países mais desiguais, com a riqueza concentrada em uma elite política. Além disso, a degradação ambiental resultante da mineração devastou comunidades locais, destruindo rios, florestas e terras agrícolas.


Conclusão: Um Apelo à Responsabilidade e à Reforma

A história dos diamantes de sangue em Angola serve como um lembrete do custo humano e ambiental da exploração descontrolada de recursos. O Processo de Kimberley fez alguns progressos, mas é necessário muito mais para garantir que a exploração dos recursos angolanos beneficie o seu povo, e não perpetue ciclos de violência e pobreza.


É fundamental que o comércio global de diamantes assuma maior responsabilidade em garantir que os diamantes sejam eticamente extraídos, com respeito pelos direitos humanos e pela sustentabilidade ambiental. Angola enfrenta o desafio de criar um sistema de governação que priorize a transparência e a distribuição equitativa da riqueza.


Obras Citadas

  1. Marques, Rafael. Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola. Tinta-da-China, 2011.

  2. United Nations Security Council. “Resolution 1173 (1998).” United Nations, 1998. Disponível em: https://undocs.org/S/RES/1173(1998).

  3. Global Witness. A Rough Trade: The Role of Companies and Governments in the Angolan Conflict. Global Witness, 1998.

  4. Processo de Kimberley. “O Processo de Kimberley: Certificação de Diamantes de Conflito.” Kimberley Process Certification Scheme, 2003.

  5. Human Rights Watch. Some Transparency, No Accountability: The Use of Oil Revenue in Angola and Its Impact on Human Rights. Human Rights Watch, 2004.

  6. International Crisis Group. Angola’s Choice: Reform or Regress. ICG Africa Briefing No. 46, 2008.



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